Claudio Dos Santos Pereira de Oliveira e Gabrielle Momot


A CAIXA DE HISTÓRIA DA AMÉRICA:  A RELIGIÃO E AS GUERRAS PENINSULAR E DO CONTESTADO


Introdução

Este texto tem como objetivo refletir as atividades desenvolvidas na disciplina História da América, 3º ano do curso de História, campus da UNESPAR, União da Vitória/PR, bem como avaliar seus resultados. A partir da Prática dos Componentes Curriculares foi proposta a criação do projeto de Caixa de História, a qual visa desenvolver material didático para professores da Educação Básica. Com isto é possível fortalecer os vínculos entre a academia e a escola, através da extensão universitária, o que requer a difusão das atividades junto ao público em geral. É preciso dizer que, geralmente, os acadêmicos tendem a um distanciamento do trabalho em conjunto com o Ensino Fundamental e Médio. Caso contrário, os índices dos alunos brasileiros seriam melhores nas avaliações internacionais.

Note-se que, no caso da Unespar, a curricularização da extensão universitária só veio reestruturação de cursos, que se iniciará em 2019.  Em relação ao material didático proposto, diga-se de passagem, que ele é interessante e viável, uma vez que o professor pode aprimorá-lo. Certamente o seu compartilhamento entre grupos de professores e suas constantes melhorias podem ampliar o volume de atividades a serem desenvolvidas. Ganham os alunos, professores e comunidade, as quais podem potencializar suas reflexões sobre assuntos variados, estabelecendo conexões entre temas aparentemente distantes e sem sentido.

Em conjunto com a caixa de história disponibilizamos aos professores um manual com os procedimentos de uso indicações de leitura para aprofundamento através de pesquisa. Na recepção do material o professor fará uma avaliação prévia, a fim de verificar todos os aspectos que considera relevantes, determinando se as atividades podem ser aplicadas. Num segundo momento, avaliar-se-á se a aplicação é precisa, conforme expresso no manual. A caixa de história conta com diversas atividades, cada uma visando um tipo de fonte, como por exemplo, fotografia, patrimônio material e imaterial, crônicas, etc. Na caixa de história da América inserimos um texto teórico para sinalizar encaminhamentos de leitura e pesquisa. Nossa pretensão é a de que os professores de história a usem, adaptando-se à sua realidade escolar. Por outro lado, é de extrema importância que os materiais desenvolvidos sejam práticos, fáceis de usar e não tenham custos elevados, já que muitas escolas não têm recursos suficientes.

Síntese da Guerra Peninsular

Durante as aulas de História da América, a turma se dividiu em grupos, sendo que cada um se decidiu por um tema. Ele deveria se relacionar com as obras que o artista Goya pintou no contexto da Guerra Peninsular. Nosso grupo decidiu abordar a religiosidade. O título original de nosso trabalho ficou “A religião em meio ao conflito: uma reflexão sobre a Guerra Peninsular e a Guerra do Contestado”. Nesse texto buscamos explorar, de forma panorâmica, a Guerra Peninsular, a Guerra do Contestado e as obras do artista Francisco de Goya.

Antes de tudo, torna-se importante esclarecer do que se trata quando falamos da “Guerra Peninsular”, ocorrida entre 1807-1814. Este episódio histórico pode ser entendido como um conflito militar entre o império Francês, e a Aliança do Reino Unido, o Império Espanhol e do Reino de Portugal e Algarves pelo domínio da Península Ibérica durante as invasões napoleônicas. Esses conflitos foram marcados pela expansão territorial e pelas invasões e, consequentemente pela revolução e pela contrarrevolução. Elas foram concretizadas inicialmente pela França e pela Espanha, as quais ocuparam Portugal, e posteriormente, quando elas romperam seus vínculos, França se voltou contra a Espanha. As invasões e os conflitos continuaram até a derrota de Napoleão, momento em que se iniciou a guerra pela libertação nacional e a busca pela independência.

As resistências contra a ocupação napoleônica deixaram boa parte da Europa desestruturada, pois a instabilidade na economia e na sociedade de Portugal e da Espanha estavam à beira da calamidade. Isso levou a diversas guerras civis e à busca de uma restauração e, simultaneamente, à soluções para a crise. Perante a tragédia e com o resultado desses conflitos a Igreja e o clero tiveram que se articular entre a população e o poder. Segundo Silva (2015, p. 9) “O papel da igreja foi importante; franceses são vistos como o inimigo de Deus. Há um lado menos “nobre” nestas revoltas: há aproveitamentos e ajustes de contas, vinganças pessoais, ataques aos “ricos e poderosos”, a todo o suspeito de ser afrancesado, etc.”. Porém, por muitas vezes o clero, com intuito de poupar a população e seus fiéis das dores e sofrimentos causados pela guerra, recomendavam que Portugal cedesse aos interesses dos Franceses:

"A pastoral daquele prelado de 8 de Dezembro, que a 10 apareceu afixada pelas portas dos templos da capital e sucessivamente o foi pelas das igrejas paroquiais do patriarcado, na qual com expressões as mais enérgicas se recomendava a obediência aos usurpadores, engrandecendo com mil elogios a bondade de Napoleão e do seu cruel delegado. É deste modo que a primeira personagem da Igreja lusitana, e uma das primeiras, pela sua representação, entre os Grandes de Portugal, servia aos opressores da religião e do Estado (ARAÚJO 2008, p. 264)"
                                                             
Devido a essas declarações o clero foi considerado como um dos principais associados às causas francesas, pois a crítica não poupava o clero e muitos destes eram acusados de traidores da pátria:  “Começa por acusar o cardeal patriarca de Lisboa, o inquisidor geral e os bispos por pregarem, num primeiro momento, com desmesurada subserviência” (ARAÚJO 2008, P.264).

Essa ambivalência dentro da Igreja, ora ansiando aos desejos nacionais e a pátria, ora cedendo às ideias dos franceses “inimigos” é equivalente a sua atuação igualmente dúbia entre a sua ligação para com a população e o monarca. É possível identificar essas questões nas obras de um dos maiores mestres da pintura espanhola. Francisco Goya pintou os horrores da guerra. Em “Los Desastres de La Guerra” Goya representa o terror e o medo produzidos pela guerra. 

Anexo 01
Imagem catalogada sob o n°77 disponível em: http://clio.rediris.es/n31/desastreguerra/desastres.htm#ana
Acessado em:03/12/2018

Segundo a legenda disponível na própria imagem, ela representa:

 Um eclesiástico que se vê atravessando uma corda bamba, sob ele um público o contempla. O frade que anda na corda bamba é a alegoria da Igreja na Espanha, sendo a corda a situação delicada pela qual isso acontece depois da Guerra da Independência espanhola [..]”.


Anexo 02
Imagem catalogada sob o n°43 disponível em: http://clio.rediris.es/n31/desastreguerra/desastres.htm#ana
Acessado em: 03/12/2018
A segunda legenda, por conseguinte, representa:

“Vários frades fugindo do convento onde estavam. No mesmo sentido que todos os revoltosos, Goya nos apresenta a fuga dos clérigos. Neste caso trata-se de frades e pode estar se referindo às leis desmortizadoras do novo rei José I, assim fazendo com que frades fossem forçados a deixar os conventos.


As imagens são profundas e nos levam a várias reflexões. Analisá-las e um grande desafio. Entretanto, eles podem fornecer um significativo suporte analítico e de compreensão dos acontecimentos históricos. De acordo com Litz “o trabalho com imagens deve possibilitar discussões sobre as condições de produção daquela imagem, ou seja, o contexto social, temporal e espacial em que foi produzida” (LITZ, 2009).

Síntese da Guerra do Contestado

Na Guerra do Contestado não podemos esquecer que os conflitos entre os camponeses e as forças militares envolveram elementos religiosos dispares. Os problemas sociais e religiosos, ligados a regularização da posse de terras e insatisfação da população se agravou com o fanatismo religioso e o messianismo (CARVALHO, 2009)

Anexo 03
Acessado em: 03/12/2018

Entre os estados do Paraná e Santa Catarina haviam os monges errantes”, os quais não estavam ligados à Igreja ou a qualquer outra ordem religiosa. Estas figuras eram, na realidade, beatos, curandeiros, profetas populares, cujas comunidades escutavam e, cujos ensinamentos seguiam. Eles passaram a ter carga religiosa atribuída pela própria população, que diante da crise e da insatisfação popular, ganhou força com a figura do beato José Maria. Este pregava a criação de um mundo novo, regido pelas leis de Deus, onde todos viveriam em paz, com prosperidade justiça e terras para trabalhar. José Maria conseguiu reuniu milhares de seguidores, principalmente de camponeses sem terras (CARVALHO, 2009)

Os coronéis da região e os governos (federal e estadual) começaram a ficar preocupados com a liderança de José Maria e sua capacidade de atrair os camponeses. O governo passou a acusar o beato de ser um inimigo da República, que tinha como objetivo desestruturar o governo e a ordem da região, pois se acreditava que ele era um apoiador da monarquia, uma monarquia cabocla. Com isso, policiais e soldados do exército foram enviados para o local, com o objetivo de desarticular o movimento, os soldados e policiais começaram a perseguir o beato e seus seguidores (CARVALHO, 2009)

“O estopim da revolta foi "o ajuntamento" em torno de um monge chamado José Maria em agosto de 1912. Perseguido por tropas catarinenses, os seguidores do monge fugirão em direção ao Paraná até chegar ao sertão de Palmas, na localidade de Irani, onde ocorreu o primeiro combate contra a força publica paranaense. José Maria Morreu durante este conflito, assim como o comandante do regimento de Segurança Coronel João Gualberto.”( CARVALHO 2009 p.17)

Como podemos constatar, na Guerra Peninsular e na Guerra do Contestado, pode-se verificar ações religiosos e práticas populares da religiosidade, as quais buscaram se articular entre as forças conflitantes, a população e os poderosos, de forma que seu “aspecto religioso ou messiânico” viesse a influenciar suas ações.

Em relação às imagens é possível identificar tanto nas obras de Goya quanto na arte sobre a Guerra do Contestado o impasse, a “corda bamba” a qual os religiosos tinham de atravessar. Podemos ver que eles estão situados em um ambiente em meio ao conflito, ao terror e ao medo. Identificar a menor semelhança nestes conflitos distintos através de imagens é de certa forma interessante, pois, segundo Litz:

“A história deve ser trabalhada por sua relevância, dentro de um contexto histórico, entendendo que os acontecimentos se inter-relacionam no tempo e não estão circunscritos pelo espaço, permitindo que os alunos reflitam sobre os temas e a realidade de forma crítica e autônoma” (LITZ 2009 p.12)

 A Caixa de História é uma idéia sobre a educação patrimonial e o ensino de história local. Atividades todas preparadas para alunos de diferentes séries do Ensino Fundamental inspiradas em documentos que evocam a história local incentivam a formação de identidades e a valorização do patrimônio material e imaterial pelos alunos moradores dessas regiões. O formato de “caixa” sugere a possibilidade de extrair daquele recipiente inúmeras histórias, em uma criação constante e infindável.

Se referindo no próprio material didático, conforme o Guia de Tecnologias Educacionais (MEC, 2009, p. 48) “O formato de “caixa” sugere a possibilidade de extrair histórias daquele recipiente, um processo de criação aberto, com materiais compostos de pranchas fotográficas, CDs, papéis, folhetos, livretos, fac-símile de jornal, e outros”. Sendo assim, como a caixa contém vários materiais didáticos nela, decidimos fazer uso das fotografias e em nosso material sugerimos três maneiras de como usar as fotos e também o texto auxiliar. São elas:

Opção 1 - O professor poderá fazer uso do texto auxiliar e das referências sugeridas para suas aulas teóricas referentes ao tema. Posteriormente o professor irá expor as imagens de Goya na sala e solicitará que os alunos façam uma releitura destas obras, buscando manter em sua releitura os aspectos de terror, e do medo em meio ao conflito, essa releitura poderá ser feita em conjunto com a professora de artes.

Opção 2 - O professor poderá fazer uso do texto auxiliar e das referências sugeridas para suas aulas teóricas referentes ao tema. Para dinamizar a aula o professor irá expor as imagens na sala, e então o professor irá solicitar que os alunos escolham uma das cartas, após isso os alunos terão de ler o seu conteúdo e buscar interpretar qual imagem condiz com o texto retirado das cartas.

Opção 3 - O professor poderá fazer uso do texto auxiliar e das referências sugeridas para suas aulas teóricas referentes ao tema. O professor fará uso das imagens de Goya buscando fornecer contato dos alunos para com a fonte histórica. Através destas imagens o aluno deverá traçar uma breve discussão através da sua interpretação pessoal buscando demonstrar o que ele conseguiu perceber nestas imagens, quais são os aspectos presentes nela, quais as práticas sociais presentes nela e o que ela busca retratar? Após isso o professor poderá abrir as cartas com as legendas das fotos e apresentar o conteúdo aos alunos, para que esses assimilem a legenda com o que eles interpretaram.

O desenvolvimento dessa prática dos componentes curriculares mostra o quanto é importante essa interação de academia e escola, já que dentro da grade curricular do curso só está na matéria de estágio, que nos proporciona esse contato. A escola é o local onde, possivelmente, será nosso local de trabalho futuramente, aquilo que aprendemos na universidade será aplicado lá, e quando nos é possibilitado desenvolver um trabalho

Referente ao projeto da Caixa de História espera-se que o conteúdo destas páginas possa servir de suporte e apoio quando utilizadas em sala de aula para trabalhar a Guerra Peninsular ou a Guerra do Constado, entre outros conteúdos pertinentes, evidenciando ao aluno “A relevância de se estudar história deve residir na repercussão dos acontecimentos na própria história, ou seja, quanto esses fatos modificaram as relações sociais posteriores ou contemporâneas a eles, sempre fazendo uma relação passado-presente”. (LITZ 2009 P. 11)

Por fim, acredita-se que as imagens têm valor ímpar, uma vez que a iconografia não é só um enfeite nas páginas dos livros, ou um passa tempo, ela é um texto que pode melhorar a compreensão do conteúdo a ser trabalhado pelo professor de História. As formas de utilização são inúmeras, tanto na sala de aula ou em aula extraclasse. Na medida em que os professores tiverem contato com as obras e procurarem compreendê-las em todo seu contexto, mais fácil será ensinar seus alunos a lê-las ou abstrair informações que possam ajudá-los a entender melhor aquele momento histórico importante, mas que, às vezes não exploramos devidamente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS:
Claudio Dos Santos Pereira de Oliveira é graduando do curso de Licenciatura em História da Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR.

Gabrielle Momot é graduanda do curso de Licenciatura em história da Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR.

Michel Kobelinski [orientador] é professor Doutor da Universidade Estadual do Paraná, integra o Gt- Strictu sensu História e é docente permanente do Mestrado Profissional em Ensino de História (UNESPAR/UFRJ), campus de Campo Mourão, é membro da associação Nacional de Pesquisadores e Professores de História das Américas (AMPHLAC),é Professor de História da América (UNESPAR, União da Vitória) e coordena o Grupo de Pesquisa Cultura & Sensibilidades. Sua pesquisa se concentra na história e na cultura, e patrimônio urbano e lugares de memória.

ARAÚJO, Ana Cristina “Memória e mitos da Guerra Peninsular em Portugal: A História Geral da Invasão dos Franceses de José Acúrsio das Neves”. Ed Imprensa da Universidade de Coimbra Revista de Historia das Ideias Vol. 29 (2008)

CARVALHO, Tarcísio Motta. "Coerção e consenso na Primeira República: A Guerra do Contestado (1912- 1916) Universidade Federal Fluminense 2009

LITZ, Valesca G. O uso da imagem no ensino de História UFPR Curitiba 2009

SILVA, João Paulo F. "Primeira Invasão Francesa 1807-1808: A invasão de Junot e a Revolta Popular".  Ed. Academia das Ciências de Lisboa 2015
LINKS: acessados em 03/12/2018

Francisco Goya. Los desastres de la guerra. Dibujos y grabados. Madrid, Museu del Prado. Disponível em:


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