A EDUCAÇÃO REPUBLICANA NA AMAZÔNIA: UTILIDADE
DO ESTADO, HONRA DA NAÇÃO E GARANTIA DA REPÚBLICA (1890 - 1894)
Neste
texto, como parte de uma pesquisa de doutoramento no PPGHist – UFPA, pretendo
examinar a implantação do projeto educacional republicano na Amazônia aplicado
ao Pará, com os seguintes interesses específicos de estudo: entender as
relações do discurso educacional e oficial dos republicanos da Amazônia
paraense com o ideário francês do século XIX e compreender a inserção de temas
locais e regionais no currículo escolar.
Anos
antes da Proclamação da República um
dos principais críticos do Império brasileiro, Aureliano Cândido Tavares Bastos,
– natural de Alagoas e parlamentar liberal brasileiro – na década de
1860 adiantava pressupostos que embasariam décadas depois parte do projeto
republicano de instrução pública:
“Dai
ao menino da cidade e do campo a chave da ciência e da atividade, a instrução
elementar completa; dai-lhe depois as noções de ciências físicas, livrai dos
mestres pedantes de latim e retórica, e o jovem será útil à pátria, um
industrioso, um empresário, um maquinista, como é o inglês, o norte-americano,
como é o alemão, será um homem livre e independente, e não um desprezível
solicitador de empregos políticos, um vadio, um elemento de desordem” (BASTOS,
1862, P.38).
O
cenário da instrução pública no Império do Brasil era pouco animador, motivo
pelo qual Tavares Bastos desenvolveria suas reflexões e críticas. Segundo Irma
Rizzini (2004, p.59), ao se referir ao Pará e ao Amazonas, tomando por base o
censo de 1872 “Os percentuais expõem um baixo grau de escolarização das duas
sociedades, contudo correspondiam à situação da maioria das províncias
brasileiras”.
A
estrutura republicana a partir de 1889 delineava um novo projeto de sociedade a
partir de uma nova concepção educacional, como menciona Maricilde Coelho (2008,
p.70):
“A
ideia de educação como fator de desenvolvimento para a nação brasileira estava
atrelada a um projeto liberal de sociedade, que via na instrução popular um
elemento de ação política que permitiria a construção da identidade nacional e
a inserção do Brasil na modernidade. [...] ao valorizar a ciência e a cultura
letrada por meio da instrução popular, as autoridades políticas proclamavam uma
nova concepção de escola, com renovados métodos e programas de ensino,
diferente das precárias escolas elementares legadas do Império”.
Ao
transmitir o governo do Estado para Lauro Sodré em 1891, Duarte Huet de Bacelar
Pinto Guedes informava em Relatório que das reformas realizadas com a
inauguração da República, a que mais se avultava era a reforma do ensino
público, que em nível paraense ficaram inicialmente a cargo de José Verissimo,
responsável pela implantação de “um plano metódico”, “consoante com a pedagogia
moderna”, o qual teria seguido o modelo do país que à época teria mais
realizações no âmbito da instrução Pública, a França (1891, p.26). No Pará,
após a chegada ao poder dos republicanos, a instrução passou a ser um dos
pontos importantes das administrações do novo regime. Um dos marcos iniciais
deste cenário foi a chegada de José Veríssimo (1857-1916) à Diretoria Geral da
Instrução Pública do Pará, em 1890. Veríssimo que viria a ser conhecido nacionalmente
anos depois com a sua chegada aos círculos intelectuais da capital do país,
apresentou um novo regulamento de ensino, novos programas de ensino e cuidou de
iniciar um projeto educacional mais amplo a partir da valorização da ciência.
Ele havia fundado em 1883 a revista Amazônica para tornar conhecida uma região
pouco vista pelo Brasil e no mundo e com a Diretoria de Instrução reinaugurou o
Museu Paraense.
Foi
no governo de Lauro Sodré, entre 1891 – 1897, que é possível identificar um
amplo programa educacional sob o comando do citado governador, o qual antes de
assumir o governo paraense ocupou cargos na estrutura administrativa republicana
nacional e legislativo nacional: foi secretário de Benjamin Constant no
Ministério da Guerra, Secretário de Estado da Instrução Pública, Correios e
Telégrafos e deputado federal pelo estado do Pará. Como já evidenciado, foi no primeiro governo
de Lauro Sodré, visto que em 1917 ele voltou a ser governador do Pará, que foi
montado um aparelhamento cultural e educacional no Estado, especialmente em
Belém, a exemplo da transformação da antiga biblioteca da cidade em Biblioteca
e Arquivo Público do Pará, segundo Arthur Viana (1975), ambos representavam uma
instituição que honrava a história da República.
Além
destes, cita-se: a reinauguração do Museu Paraense, já citado; o Conservatório
de Música, em 1895, sendo dirigido por alguns meses do ano de 1896 pelo famoso
maestro Carlos Gomes; a Sociedade Propagadora de Ensino juntamente com o Lyceu
de Artes e Ofícios, posteriormente Associação Paraense Propagadora das Bellas
Artes, em substituição a antiga Sociedade Artística Paraense (ALVES, 2013).
Segundo Moema Alves (2013), com a exportação considerável de borracha, o
contato com centro mundiais e a navegação estrangeira na Amazônia, o fluxo e as
trocas tornaram-se algo cotidiano em cidades como Belém e Manaus, influenciando
uma cultura burguesa na elite regional. Por fim, não menos importante, deve-se lembrar
de que após o primeiro mandato de Lauro Sodré com o governo de José Paes de
Carvalho, um dos influentes fundadores do Clube Republicano do Pará, foram
criados o Instituto Histórico e Geográfico do Pará (IHGP) e a Academia Paraense
de Letras, ambos em 1900. Em 1917, com o novo governo de Lauro Sodré o IHGP foi
refundado.
O
projeto educacional republicano teve suas bases firmadas no processo produzido
pelos grandes impérios do mundo chamado ocidentalização, decorrido entre 1875 e
1914. De acordo com Hobsbawm (2003, p.60):
“O
que o imperialismo trouxe às elites efetivas ou potenciais do mundo dependente
foi, portanto, essencialmente a "ocidentalização". Esse processo já
estava, sem dúvida, em curso há muito tempo. Por várias décadas fora claro,
para todos os governos e elites confrontados à dependência ou à conquista, que
eles tinham que se ocidentalizar, caso contrário desapareceriam”.
Hobsbawm
(2003, p.60) expõe que as elites dos países ocidentalizados tiveram como base
ideologias que datavam entre a Revolução Francesa e meados do século XIX quando
revestiram a forma do positivismo de Auguste Comte (1798-1857), doutrina
modernizadora que inspirou os governos do Brasil, do México [...]”. Neste contexto é que se pode ler o
relatório da instrução pública encaminhado pelo Dr. Alexandre Vaz Tavares ao
Governador Lauro Sodré, em 1894. Vaz Tavares, Diretor da Instrução Pública no
Pará, iniciava sua apresentação pautando-se em reflexões anteriores de um
ministro da instrução da França, denominado Jules François Simon Suisse,
estadista francês, republicano que chegou a ser primeiro ministro (1876-1877).
Diante de pronunciamentos do estadista francês que criticava a falta de
realidade dos discursos governamentais com a instrução pública primária e
elementar, Vaz Tavares transplantava tal cenário para o Brasil imputando a falta
de trato com estes níveis educacionais no Brasil, mas adiantava que vivia-se
“eras novas!”, uma menção à República. O referido Diretor da instrução Pública
exaltava o que os governos republicanos já haviam feito pela educação paraense,
mas se postava no dever de solicitar melhorias para a instrução no relatório
que apresentava, tendo em vista a expressão de sua preocupação
com a situação paraense manifestadas em questões infra estruturais, bem como a
necessidade de rever a situação de um cenário em que de uma população avaliada
em 800 mil habitantes no Pará, segundo o Diretor, subtraindo cerca de 200 mil
estrangeiros, somente uma sexta parte desta população não era analfabeta.
Vaz Tavares, se dirigindo ao
governador como homem de letras, requisitava mais escolas primárias, com
edificações modernas e higiênicas. Ele atribuía a morosidade da instrução
primária a dois fatores: a não colaboração dos pais e o não preparo dos
professores. Sua maior preocupação, como já citado em relação aos republicanos,
era a instrução primária, ponto pelo qual, parafraseando Jules Simon,
considerava que a este nível de ensino dever-se-ia destinar “[...] todos os
milhões que ela precisa e não lamenta-os nunca” (RELATÓRIO DAS REPARTIÇÕES
ESTADUAIS APRESENTADO AO SR. GOVERNADOR DR. LAURO SODRÉ, 1894, p.217). Vaz
Tavares colocava ao governador a necessidade de investimentos na educação
(primária), visto que se pautando em literatura francesa (Claud e Bernard), demonstrava
que o maior lugar do mundo seria ocupado pelas nações que concentrassem seus
esforços na cultura intelectual, nas descobertas científicas “porque é somente
pela inteligência que o homem deve dominar e conquistar o mundo” (RELATÓRIO DAS
REPARTIÇÕES ESTADUAIS APRESENTADO AO SR. GOVERNADOR DR. LAURO SODRÉ, 1894, p.217).
Consideramos que suas solicitações e
sugestões de trabalho são de âmbito amazônicas, pois direcionadas ao Pará
acabam por refletir demandas da região. A situação paraense e amazônica foi
discutida tomando como espelho a situação educacional da França. Primeiro,
relembrando Jules Simon acerca do tema da evasão escolar, Vaz Tavares relatava
que “entre nós” ocorria uma evasão muito maior do que na França, sendo que
apenas uma quinta parte das “nossas crianças” frequentavam as escolas e que
duas causas principais provocavam a evasão: o fabrico da borracha e a pesca do
pirarucu. Evidenciava que a situação de alfabetização era baixa, algo similar
ao restante do país, informando que na agricultura, indústria extrativa e
pastoril, existia um grande número de analfabetos. Para combater a evasão
escolar, o Diretor da Instrução lançava mão de um instrumento da de regulação
do mundo burguês e base da filosofia positiva, notadamente a lei. Ele sugeria
ao Governo a possibilidade de criação de uma lei que obrigasse aos pais a
manterem os filhos nas escolas. Neste ponto respondia as críticas feitas em
discussões pretéritas no Congresso estadual acerca da possibilidade da citada
lei. Vaz Tavares argumentou a parti de três eixos: Estado, Nação e República.
Para o Diretor da Instrução Pública
paraense uma lei da obrigatoriedade do ensino seria de utilidade para o Estado,
pois este deveria se constituir em “[...] zelador dos direitos da infância, em
protetor dos fracos que se pretende zelar” (RELATÓRIO DAS REPARTIÇÕES ESTADUAIS
APRESENTADO AO SR. GOVERNADOR DR. LAURO SODRÉ, 1894, p.234). Nestes termos, o
Estado deveria ser agente ativo tornando-se útil para a educação nacional. O
tema do Estado esteve intimamente ligado ao de Nação, visto que vivia-se no
século XIX a era do nacionalismo, quando os Estados foram sendo transformados
em Estado-Nação. Hobsbawm (2003, p.126) aponta que:
"A
nação" era a nova religião cívica dos Estados. Oferecia um elemento de
agregação que ligava todos os cidadãos ao Estado, um modo de trazer o Estado-nação
diretamente a cada um dos cidadãos e um contrapeso aos que apelavam para outras
lealdades acima da lealdade ao Estado - para a religião, para a nacionalidade
ou etnia não identificadas com o Estado, e talvez, acima de tudo, para a
classe”.
Vaz Tavares esclarecia ao Governador
que “[...] uma Nação se engrandece, quando, pela instrução dos seus habitantes,
que faz neles gerar a dedicação e o patriostimo” (RELATÓRIO DAS REPARTIÇÕES
ESTADUAIS APRESENTADO AO SR. GOVERNADOR DR. LAURO SODRÉ, 1894, p.226). Neste
ponto, pode-se observar que o Diretor da Instrução Pública reverberava o
pensamento nacionalista reinante na Europa à época, pois, conforme Hobsbawm (2003,
p.127) o nacionalismo
estatal exigia educação elementar em massa, a principio pela alfabetização,
e:
“Do
ponto de vista do Estado, a escola tinha ainda outra vantagem essencial:
poderia ensinar todas as crianças a serem bons súditos e cidadãos, Até o
triunfo da televisão, não houve meio de propaganda secular que se comparasse à
sala de aula. Em termos educacionais, portanto, a era de 1870 a 1914 foi, na
maioria dos países europeus, acima de tudo a era da escola primária”.
O
nacionalismo de inspiração francesa trazia consigo a ideia de liberdade e Vaz
Tavares reproduzia tal pensamento ao considerar que “uma Nação é tanto mais
livre e independente, quanto maior é o número dos seus filhos instruídos,
porque a inteligência libertada e não sabe ser paciente ao julgo da tirania” (RELATÓRIO DAS REPARTIÇÕES ESTADUAIS
APRESENTADO AO SR. GOVERNADOR DR. LAURO SODRÉ, 1894, p.
226). A ideia de instrução como honra da Nação era mediada pela perspectiva de
liberdade. Ele ainda considerava que a educação de uma Nação era um bem
coletivo e social, o que garantiria a existência da moderna República. No que
tange a lei de obrigatoriedade do ensino, Vaz Tavares elencava que a liberdade
deveria estar no Estado em propiciá-la aos cidadãos através da instrução e não
liberdade entendida pela via individual dos sujeitos em procurar ou não à
escola. Neste ponto, Vaz Tavares volta a ancora-se em Jules Simon, citando
“toda a vez que se instrui um cidadão, diz Jules Simon, trabalha-se pela
liberdade. Toda vez que se impede a instrução, trabalha-se contra ela” (1894,
p.229). Debatia-se, desta feita, contra a acusação de que uma lei de
obrigatoriedade do ensino infligia às liberdades, usava-se, inclusive, dos
exemplos norte-americano, suíço, ressaltando que todos os países que estavam na
vanguarda das letras, ciências e artes admitiam o ensino obrigatório, como
Estados Unidos, Holanda, Suíça, Bélgica, Alemanha e França, entre outros.
Hobsbawm (2003, p. 127) amplia a geografia dos países em marcha em relação à
educação primária, informando que:
“Triplicou
na Suécia e cresceu quase de igual modo na Noruega. Países relativamente atrasados
quiseram alcançá-los. Dobrou o número de crianças de escola primária nos Países
Baixos; no Reino Unido (que não possuíra sistema educacional público até 1870)
esse número triplicou; na Finlândia aumentou treze vezes. Mesmo nos Bálcãs,
terra de analfabetos, quadruplicou o número de crianças em escolas primárias, e
o número de professores quase triplicou”.
Vaz
Tavares voltou a sugerir medidas para tornar a instrução elementar e primária
eficaz no Pará, o que não deixava de servir ao cenário amazônico. Com relação à
fiscalização, recomendava que a população fosse dividida em três categorias:
primeiro, a população residente em zonas mais ou menos povoadas; segundo, dos
moradores de áreas mais ou menos populosas que passavam parte do ano fora em
seringais, pescarias e outros; terceiro, dos moradores que residiam distantes e
espaçadamente, mas que residiam fixo. Para a primeira categoria, sugeria um
momento do ano em que os pais que não tinham matriculados seus filhos em uma
escola pública fossem obrigados a apresentar os filhos para exames a fim de
provar que estavam continuando a instrução que a lei previa; para a segunda
categoria, indicava que fosse criado um grupo de professores ambulantes ou que
os pais ao se ausentarem para a extração da goma elástica ou pescarias
deixassem seus filhos com famílias fixas em determinado lugar; para terceira
categoria recomendava a criação de uma classe de “explicadores ambulantes” que
demorassem de três a cinco semanas nas residências, ministrando aulas diurnas
para os pequenos e aulas noturnas para os adultos. As palavras do Diretor da
Instrução Pública do Pará expressam a preocupação com o cenário amazônico e
suas especificidades, visto que à época a economia da borracha ocupava boa
parte da população da região. Na década de 1890 vivia-se a era de ouro do
produto com tamanha exportação internacional, haja vista que de 1889 ao segundo
semestre de 1892, a exportações da Borracha pelo porto do Pará já atingiam o
montante de 23.318.957 kg (RELATÓRIO
DAS REPARTIÇÕES ESTADUAIS APRESENTADO AO SR. GOVERNADOR DR. LAURO SODRÉ, 1894,
QUADRO DE EXPORTAÇÃO DA BORRACHA, S/P).
Uma outra parte do Relatório de Vaz
Tavares se ocupou das demandas da instrução e dos feitos de sua Diretoria.
Entre as demandas citou a necessidade de construção de escolas, mobílias
escolares e distribuição de livros escolares, o que evidencia os problemas da
instrução à época. Sobre os livros escolares, Vaz Tavares reverbera a ideia
presente no projeto republicano de instrução pública, a saber: a padronização e
distribuição de livros didáticos. Segundo o Diretor da Instrução Pública, antes
as famílias das crianças pobres matriculadas adquiriam compêndios conforme as
suas posses, de modo que existia uma tamanha diversidade de materiais que impossibilitavam
uma padronização do processo de ensino.
Com vistas à padronização do que se ensinava, a Diretoria de Instrução
comprou livros de diversas áreas para distribuição nas escolas, uma ação tida
como progressista e de civilidade, mas Vaz Tavares registrou juntou ao
Governador o descontentamento de livros de autores paraenses terem sido os mais
caros, entre estes: Geografia Primária,
de autoria de N. Novaes e o Terceiro
Livro de Leituras de Dr. Freitas. Acerca dos livros escolares, segue
relação e quantidade de livros comprados para distribuição:
Livros
|
Autores
|
Quantidade
|
Primeiro Livro de Leituras
|
Augusto Pinheiro
|
7.000
|
Lição de Cousa
|
A. E. Zaluar
|
8.600
|
Gramática portuguesa
2º Ano
|
João Ribeiro
|
1.000
|
Gramática portuguesa
1º Ano
|
João Ribeiro
|
4.000
|
Terceiro Livro de Leituras
|
Dr. Freitas
|
4.000
|
Coração – leitura expressiva de
Amices
|
_
|
5.000
|
História Pátria
|
Moreira Pinto
|
1.000
|
Vida Prática
|
Félix Ferreira
|
500
|
Geografia Primária
|
Dr. Novaes
|
1.000
|
Geometria
Elementar
|
A. da Gama
|
200
|
Aritmética
|
Trajano
|
10.000
|
Mapa Demonstrativo dos livros escolares
distribuídos aos alunos da instrução primária do Pará, 9 de maio de 1894, in: Relatório das
repartições estaduais apresentado ao sr. governador dr. Lauro Sodré, 1894.
Por mais que os livros de autores
paraenses tenham sido considerados caros, observa-se que a intenção e a
confirmação da compra dos livros revela o interesse dos republicanos de
contemplarem a história local e regional no currículo escolar, visto que
diferentemente do projeto de unidade nacional do Império, pensado enquanto
centro, o projeto republicano buscava contemplar dentro de um projeto de nação
– a partir da federação de Estados – temas locais e regionais, especialmente no
campo da geografia, história e lições de coisas, como se pode observar no
Regulamento de Ensino do Pará de 1890, item Instruções
de Ensino para a instrução primária, quando constava entre os temas gerais
sobre o Brasil os seguintes assuntos: Geografia, a “recordação da Geografia do
Pará”, a ilha de Marajó e sua importância econômica, além dos limites físicos
da região; em História, da “conquista do Pará” ao “Pará Estado”; em lições de
coisas, metais e recursos minerais do Pará, as salinas do Pará e a riqueza
florestal do Brasil e do Pará (REGULAMENTO ESCOLAR, ENSINO PRIMÁRIO, 1890, pp.
19 – 24). Os temas locais e regionais também eram inseridos na educação cívica
dos alunos, como se pode comprovar no livro Noções
de Educação Cívica (1898), de autoria de Hygino Amanajás, quando nomeava de
pátria o Brasil também o Pará e a região liderada pelo rio Amazonas.
Nestes
termos, pode-se compreender que entre o Império e a República, em que pese à
permanência de vários problemas na instrução pública, houve uma mudança de
postura em relação à instrução primária, visto que a educação imperial
priorizava o ensino secundário e superior em detrimento do elementar e
primário, sobretudo, “[...] direcionada a grupos sociais específicos, no geral,
proprietários de escravos e terras, e que estavam relacionados à classe
dirigente” (MORAES E COELHO, 2011, p.6). A educação republicana assumiu a
perspectiva de reformar a sociedade pela instrução a partir da instrução
elementar e primária, bem como por um conjunto de ações e instituições que,
embalados pela filosofia das luzes, pretendiam reformar a sociedade a partir da
base escolar – com a instrução primária – e o restante da população mediante
outras ações e instituições tidas como educadoras a serviço do progresso e da
civilização em consonância com os ideais de civismo, patriotismo e
moralidade.
Autor:
Roberg
Januário dos Santos:
Doutorando em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal do Pará. Professor
efetivo da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará - Unifesspa.
Referências:
AMANAJÁS, Hygino. Noções de Educação Cívica: para uso nas
escolas primárias do Estado do Pará. Belém: impresso na tipografia do Diário
Oficial, 1898.
HOBSBAWN,
E. A Era dos Impérios (1875-1914).
8º Edição. Paz e Terra: Rio de Janeiro, 2003.
RELATÓRIO
COM QUE O CAPITÃO TENENTE DUARTE
HUET DE BACELAR PINTO GUEDES PASSOU A ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO DO PARÁ EM 24 DE
JUNHO DE 1891 AO GOVERNADOR LAURO SODRÉ. Typografia
Oficial, Belém, 1891.
ALVES, Moema de Barcelar. Do Lyceu ao Foyer: exposição de arte e
gosto no Pará da virada do século XIX para o século XX. Dissertação de mestrado
em História – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e
Filosofia, departamento de História, 2013.
RIZZINI, Irma. O cidadão polido e o selvagem bruto: a educação dos meninos
desvalidos na Amazônia Imperial / Irma Rizzini. – Rio de Janeiro:
UFRJ/IFCS/PPGHIS, 2004.
RELATÓRIO
DAS REPARTIÇÕES ESTADUAIS APRESENTADO AO SR. GOVERNADOR DR. LAURO SODRÉ EM 1894. Belém: Tipografia do Diário
Oficial, 1894.
COELHO, Maricilde Oliveira. A escola primária no Estado do Pará
(1920- 1940). Tese apresentado ao programa de pós-graduação em Educação da Faculdade
de Educação da Universidade de São Paulo, 2008.
REGULAMENTO
ESCOLAR: ensino primário.
Pará: Imprensa de Tavares Cardoso & Ci., 1890.
MORAES, Felipe Tavares de; COELHO, Wilma
de Nazaré Baía. A República e a Educação na Província do Pará (1886 - 1889): o
discurso de uma educação republicana. Simpósio
Nacional de História, ANPUH, 2011.
BASTOS, Aureliano Cândido Tavares. Cartas ao Solitário. 2ª edição. Rio de
Janeiro: Typografia Atualidade, 1863.
VIANA,
Arthur. A Biblioteca e Arquivo Público
do Pará – resumo histórico. Brasília: Bibliotecon, 3 (1), jan/jun, 1975.
Olá, Roberg dos Santos,
ResponderExcluira sua pesquisa é muito interessante, pois perpassa pelas complexas redes de instituições culturais, educacionais e científicas que foram fundadas e refundadas nos primeiros decênios republicanos. A sua proposta de entender a proposta educacional republicana no âmbito da articulação com as demais instituições é uma escolha louvável e desafiadora. A minha questão passa pela presença dos intelectuais. Você já conseguiu perceber se existia uma zona de confluência dos intelectuais paraenses nessas instituições, ou seja, a dimensão da rede de sociabilidades dos intelectuais?
Saudações cordiais,
Magno Francisco de Jesus Santos
Bom dia Roberg,
ResponderExcluirgostaria de saber se nas listas de compras ou indicação de livros a serem usados nas escolas você encontrou alguma referência de livros sobre a história do Pará. Neste caso, qual era o lugar da história paraense no ensino?
Atenciosamente,
Ane Luíse Silva Mecenas Santos
Olá, Magno Santos,
ResponderExcluirObrigado pela participação nesta comunicação. Interessante sua questão, pois de fato com a República, no Pará, foi sendo gestada uma rede de relações e contatos entre intelectuais que passaram a gravitar na órbita do pensamento republicano e consequentemente nas instituições criadas ou refundadas pelos republicanos. Estes homens de letras comungavam, entre outras questões, da ideia de que a República inauguraria um novo momento para a região. Os republicanos gestaram um circuito que ia da produção do conhecimento em instituições científicas até o emprego destes saberes na educação básica. Logo, vários destes intelectuais circulavam em várias instituições e constituíam pontos de intermediação numa rede de sociabilidade intelectual, a exemplo do zoólogo suiço Emílio Goeldi, que foi contratado pelo governo republicano para dirigir, à época, o Museu Paraense, mas acabou por manter relações proximais no campo da política e diplomacia, foi fundador do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Pará; outro nome foi Arthur Vianna, que circulava entre a intelectualidade local, foi diretor do Arquivo publico (obra republicana) e fundador do Instituto histórico ao de Goeldi. Espero ter apontado na direção que colocou na questão feita.
Roberg Januário dos Santos
Prezada Ane Luíse, obrigado pela sua participação. No documento principal deste texto: Relatório das repartições estaduais apresentado ao sr. governador dr. Lauro Sodré, 1894, não encontrei compra direta de livros sobre historia do Pará, mas ao analisarmos outros documentos da instrução pública a partir dos republicanos, podemos aferir sobre a história paraense no ensino, como citei no texto documentos que instruíam sobre os conteúdos a serem trabalhados na educação primária, visto que é perceptível no currículo republicano a presença de temas de história local e regional, tanto na História, quanto na Geografia. Se a República concedeu maior participação e visibilidade aos estados por meio do pacto federativo, a inserção da história do Estado no currículo revela, em partes, esse novo lugar que os estados passavam a ocupar naquele momento, inclusive no ensino.
ResponderExcluirAtt,
Roberg Januário dos Santos