Sander Fernando de Paula e João Carlos da Silva


A MEMÓRIA DOS GRUPOS ESCOLARES NO OESTE DO PARANÁ: O DESAFIO DAS FONTES



Neste artigo, discutimos os desafios da pesquisa de fontes primárias dos grupos escolares na região Oeste do Paraná. Construídos para serem os pilares escola Republicana, essa modalidade de ensino chega ao interior do Estado Paranaense incorporando à realidade existente, abarcando às escolas isoladas e a educação dos pioneiros. O trabalho do pesquisador consiste em analisar as memórias dessas instituições de ensino, submersas em fontes primárias como documentos, fotografias e relatos. Nesta empreitada, muitas vezes é preciso superar os desafios da pesquisa, lidando com a falta de informações, descaso e esquecimento em relação memória existente. Pontuamos a importância de incentivar os estudos de reconstrução das memórias educacionais e a preservação das fontes, tanto no âmbito regional, quanto nacional. 

Introdução

A construção teórica de história e memória, tanto na historicidade quanto no ensino escolar trabalham, de forma objetiva, com as fontes e seus objetos de pesquisa. O historiador, grosso modo, faz uso na análise da sociedade, trazendo em sua essência algo em comum: todas se veiculam às memórias e, em se tratando da pesquisa da história da educação, mais especificadamente dos grupos escolares. Tais fontes estão carregadas de memórias sociais, de grupos em comunidades, abrangendo toda a historicidade dessas instituições, primordiais na pesquisa em educação.

Atualmente as pesquisas em História da Educação ganham relevância na academia, fato que cada vez mais novos objetos de estudo são trabalhados por pesquisadores da área.  Percebemos que a História da Educação atualmente se expressa também na história de instituições, de professores, disciplinas, de políticas, relações entre professores e alunos, da cultura escolar etc. Surge assim uma nova variedade de objetos que enriquecem a historicidade das instituições de ensino e esses por sua vez ampliam significativamente o conceito de fontes relevantes ao trabalho do historiador da educação (SILVA, 2011).

Há inúmeros problemas acerca da condição precária dos acervos das escolas, sendo um dos problemas mais observados, consistindo na eliminação indiscriminada dos documentos. Destaca-se que o conhecimento da documentação visa levar alunos e professores a compreender a importância na reconstrução da memória institucional, chamando atenção para a valorização e preservação das fontes e dos arquivos escolares.

A conexão entre o passado, o presente e o futuro levando em consideração suas manifestações em um determinado período histórico, onde o pesquisador na atualidade interroga as diversas formas de registros situados no presente, propicia diferentes deduções sobre o que as fontes desejam ou não transmitir. Dessa forma, torna-se possível uma análise historiográfica entender a pluralidade de interpretações desses objetos de estudo.


Fontes


No que tange a história e a historiografia, a rigor, as fontes por definição são construídas, são produções humanas. Não se pode tratar as fontes como a origem do fenômeno histórico, pois estas estão em sua origem, constituindo o ponto de partida para a construção historiográfica e não são em suma a história. Um documento construído e carregado de memórias pelo homem, só pode ser considerado uma fonte diante da análise e crítica do historiador e, estando diante do problema exposto, delimitará os métodos para a realização do estudo. Vejamos o que diz Saviani:

“Assim, as fontes históricas não são a fonte da história, ou seja, não é delas que brota e flui a história. Elas, enquanto registros, enquanto testemunhos dos atos históricos são a fonte do nosso conhecimento histórico, isto é, é delas que brota, é nelas que se apoia o conhecimento que produzimos a respeito da história” (SAVIANI, 2004, p 29, 30).

As fontes nesse caso, não são apenas objetos da pesquisa, mas recortes e delimitações a serem analisadas com os critérios e o rigor de uma interpretação baseada em diversos fatores como a historicidade do documento, sua leitura de mundo e contexto social. No caso das fontes para os estudos da educação, o mais correto é delimitar os recortes necessários para a investigação e quais os instrumentos serão abordados na pesquisa.

“O certo (e voltarei a este aspecto) é que as fontes tradicionais do historiador nem sempre são mais "objetivas" – nem mais "históricas" – do que o que o historiador crê. A crítica das fontes tradicionais é insuficiente, mas o trabalho do historiador deve exercer-se em ambos os níveis” (LE GOFF, 2013, p. 48).

Para Miguel (2012) necessitamos estudar o processo de formação histórica das instituições de ensino tendo como base as relações sociais de produção e as diversas conjunturas políticas, nacionais e internacionais. Esse modo de analisar pressupõe compreender essas escolas a partir do modo como são moldadas as relações de vida da sociedade. Logo, as fontes desempenham papel fundamental para a investigação histórica, pois elas trazem ao historiador as memorias de um passado social dessas instituições. Para a autora:

“As informações contidas nas fontes servem enquanto contributos para se conhecer o que foi privilegiado em determinado momento histórico, como e por que tais conhecimentos foram considerados relevantes, quais métodos e práticas fizeram parte do ideário pedagógico do período em questão, e como foram justificadas suas permanências ou ausências do conjunto de conhecimentos trabalhados. Mas, servem principalmente, para propiciar maior e melhor entendimento das questões e problemas da educação hoje” (MIGUEL, 2012, p. 244).

As fontes escritas, relatórios e documentos comunicam na afirmação de Miguel (2012) como intenções e realizações. Contudo faz-se necessário que o historiador busque as indagações corretas para que as memórias possam ser compreendidas, essenciais para sua investigação. Nesse pressuposto, a autora afirma que as fontes, tanto primárias e secundárias tornam-se dispositivos de memória, cujo teor histórico só encontra significado quando ao serem interpretados, possam reconstruir parte da história. 

Le Goff (2013) lembra que nem sempre essas fontes estão contando a história verdadeira de um determinado período, podendo sofrer influências de grupos dominantes que tem por interesse a manipulação e a ideologização da história. Sobre os arquivos orais e audiovisuais o autor faz a seguinte indagação:

“Nas sociedades desenvolvidas, os novos arquivos (arquivos orais e audiovisuais) não escaparam à vigilância dos governantes, mesmo se podem controlar esta memória tão estreitamente como os novos utensílios de produção desta memória, nomeadamente a do rádio e a da televisão. Cabe, com efeito, aos profissionais científicos da memória, antropólogos, historiadores, jornalistas, sociólogos, fazer da luta pela democratização da memória social um dos imperativos prioritários da sua objetividade científica” (LE GOFF, 2013, p. 436). Stephanou e Bastos, por sua vez consideram que:

“Hoje há uma evidente ruptura nas concepções de que apenas os documentos escritos possuem valor para a pesquisa, principalmente os oficiais. Quando deixamos de lado o argumento de uma “verdade de documentos”, onde apenas alguns documentos escritos são construtores de história, podemos encontrar outros vestígios em fontes que antes eram consideradas contaminadas, tendenciosas” (STEPHANOU; BASTOS, 2011).

Surge uma aceitação da história a partir das memórias plurais, fragmentadas e sem nexo ou como o autor mesmo cita de “testemunhos”. É uma produção do conhecimento oriundos de rastros de memórias, incrustadas nos mais sombrios espaços da mente e igualmente concebidas em lembranças e reminiscências, assim como são as experiências vividas e um indivíduo ou em sua coletividade.

Por sua vez, o esquecimento em consonância com a memória, surge na pesquisa das fontes como um aviso do descaso do governo e das próprias instituições quanto a preservação dos documentos. É possível ver, quando adentramos em almoxarifados e arquivos de escolas as condições precárias de conservação dos documentos que contam suas origens, quando existem documentos a serem guardados.

Le Goff (2013) adverte os historiadores quando estes se deparam com o esquecimento das fontes. Para ele é preciso escrever a história do que não existe ou que de alguma forma foi esquecido ou manipulado. Se há lacunas na história, dessa maneira, sendo intencionais ou não, devem ser historiadas:

“Falar dos silêncios da historiografia tradicional não basta; penso que é preciso ir mais longe: questionar a documentação histórica sobre as lacunas, interrogar-se sobre os esquecimentos, os hiatos, os espaços brancos da história. Devemos fazer o inventário dos arquivos do silêncio, e fazer a história a partir dos documentos e das ausências de documentos” (LE GOFF, 2013, p. 109).

Quanto a pesquisa de fontes da memória da educação, um exemplo é a fotografia. Le Goff (2013) considera que a pesquisa de fontes tendo como documento a fotografia propiciou novos conceitos e interpretações da memória. Para ele a fotografia democratiza e multiplica, dando uma precisão visual nunca antes alcançada, permitindo assim guardar essa memória do tempo e da evolução cronológica.

Souza (2001) afirma que o recurso de investigação de fotografias, em especial dos grupos escolares possibilitaram uma maior compreensão da história e da memória preservada nas imagens.

“Na memória das escolas públicas, as fotografias inscrevem-se na imanência do tempo presente, nos acontecimentos significativos para professores, alunos e funcionários partícipes dessa temporalidade do agora, e assim, ela se constitui em um instrumento de memória institucional e de recordação, e poucas vezes, como instrumento de história” (SOUZA, 2001, p.78).

Segundo a autora, as fotografias desse gênero foram muito comuns a partir do século XX sendo a foto de classe, ou seja, da turma a mais popular dentre elas. Era uma forma de preservar a memória de um grupo, de alunos e seus professores e para as famílias era uma forma de recordação. Para ela o desafio para o pesquisador que busca utilizar a fotografia como objeto de estudo reside justamente na interpretação. Enquanto receptor da imagem, ele não pode desconsiderar os mecanismos implicados em sua recepção.

Não só as fotografias são fundamentais na pesquisa dos grupos escolares. Diários, documentos, cartas, atas e livros didáticos encontram em sua essência a história ainda não contada, ainda não lapidada pela análise do pesquisador, guardando ainda o que há de mais precioso na historiografia dessas instituições de ensino.

A constituição dos Grupos Escolares

O Estado de São Paulo, abrigou a gênese dos Grupos Escolares no Brasil, em 1893, cujo intuito era agrupar escolas isoladas, situadas em diversas localidades do Estado em um único ponto, ou seja, agrupando o ensino em uma única estrutura escolar. Tornou-se um novo modelo de organização em um período de grandes transformações. Os moldes foram trazidos dos modelos educacionais de diversos países da Europa e Estados Unidos que no final do século XIX havia criado essa modalidade de educação popular para atender as demandas da sociedade.

O ensino primário era ministrado em quatro anos e o material didático, regido sob a forma enciclopédica, dava ao aluno uma educação em tempo integral com disciplinas como educação física, intelectual e moral. Também eram oferecidos métodos intuitivos, visando o melhor desempenho do aluno, com uso de laboratórios e museus como parte do processo educador.

Na formação dos grupos escolares, foi definido que cada grupo comportaria de 4 a 10 escolas isoladas e reuniria a quantidade de professores referentes a salas de 40 alunos, contando também com secretarias e diretores responsáveis pela administração da estrutura. O professor nomeado para a direção pelo Governo, estaria ligado a mesma escola e seria formado pela Escola Normal. Também, poderiam no mesmo prédio do grupo escolar a presença de meninos e meninas, no entanto as aulas eram ministradas com separação dos sexos.

Para Souza (1998), essa forma de educar com o direito de igualdade entre os sexos foi importante no processo de formação dos grupos escolares, contudo impediu a coeducação. Apesar de existirem escolas isoladas mistas durante o império, trazer essa forma de educação não seria muito bem vista pela sociedade da época. Era um avanço conceber igualdade educacional para meninos e meninas em um mesmo espaço escolar, mas a ainda havia barreiras sociais a quebrar.

O novo formato de educação que a República adotara naquele momento, traria além do seu sentido nacionalista, um modo de gestão que facilitaria aos Estados comandar e organizar melhor os recursos financeiros. Com a reunião de diversas escolas isoladas, as Prefeituras poderiam economizar em muitos sentidos. Para isso Bencostta (2001) assinala:

“Uma vez que a organização dos grupos escolares estabelecia a reunião de várias escolas primárias de uma determinada área em um único prédio, a administração pública entendeu ser um benefício financeiro aos seus cofres o fato de não ter que arcar com os aluguéis das diversas casas que abrigavam as escolas isoladas. Portanto, foi necessário desenvolver projetos que organizassem o espaço escolar a fim de constituir atividades que se adequassem às novas metodologias de ensino propaladas pelo discurso de uma moderna pedagogia. Todavia, é preciso reconhecer que esse investimento dos Estados não correspondeu às expectativas de um discurso que propunha a restauração da sociedade por meio da educação” (BENCOSTTA, 2001, p. 106).

Aos grupos escolares de São Paulo, outra proposta foi o emprego do tempo como forma de normatizar a educação que era oferecida. Assim, foram estabelecidas jornadas diárias de aulas, início e fim dos turnos, intervalos e descansos. Esse tempo escolar começou a ser controlado através de um calendário acadêmico. Assim, as disciplinas podiam ser ministradas de forma continuada, em seus referidos espaços dentro do horário das aulas e ainda, visando o compromisso com o Governo e a Pátria, além da hierarquização de disciplinas, partindo das consideradas importantes às menos relevantes.

Outra prática que se tornaria comum dentro do processo de educação implantado pelos grupos escolares eram os rituais nacionalistas. Festas e comemorações cívicas eram priorizadas, com o intuito de educar mora e civicamente os alunos.

Após sua implantação em São Paulo, outros Estados adeririam a esta modalidade de ensino, espalhando por todo o território nacional. No Rio de janeiro, os grupos escolares foram implantados em 1897, no Pará em 1899 e no Paraná em 1903. Minas Gerais adotou o modelo em 1906, no Rio Grande do Norte dois anos depois, em 1908. Santa Catarina e Sergipe adotaram os grupos escolares em 1911 e em 1916 o Estado da Paraíba iniciaria a implementação de suas escolas.

No início do século XX o Paraná passa por inúmeras transformações, sob o âmbito político e social, que ocorreram devido, entre outros fatores, as alterações de trabalho pois, com o fim da escravatura, tornou-se necessário outra mão de obra nas fazendas paranaenses. Nesse momento, acontece um movimento de imigrantes estrangeiros, oriundos de países europeus para o Brasil e, não menos expressivo, o deslocamento da população de outros estados como, por exemplo, paulistas e mineiros em busca de melhores condições de vida nas terras paranaenses, principalmente as inexploradas do Norte e do Oeste.

Nesse cenário conturbado, a população dos grandes centros urbanos e da capital paranaense exigia do Governo do Estado incentivos à educação pois, com o crescimento populacional, tornou-se necessário um sistema de ensino que abrangesse todos os níveis sociais e não somente uma classe social.

“Assim, a organização escolar no Estado, que vinha do período provincial, continuou por iniciativa do governo, por meio da criação de escolas públicas e subvencionadas, que foram sendo instaladas em centros urbanos, nas regiões do Paraná tradicional e, gradativamente, nas novas regiões que foram sendo ocupadas. A contribuição das escolas particulares para a disseminação do ensino deu-se também em centros urbanos, porém, posteriormente à instalação de escolas mantidas pelo governo” (OLIVEIRA, 2001, p. 146).

Para Bencostta (2001), a necessidade de projetos específicos para a instrução pública, ou seja, abranger todos os níveis sociais na educação fez demonstrar a preocupação das autoridades de ensino em discutir e criar um formato idealizado de ensino primário.  Segundo ao autor, o então presidente do Estado Francisco Xavier da Silva, publica em 1901 um novo regulamento de instrução pública. Nesse regulamento é evidente a releitura da experiência paulista com seus grupos escolares e segundo o Xavier da Silva o atraso do ensino primário só poderia ser resolvido com o tempo e com base em uma proposta de grupos escolares no Paraná.

Esse formato de ensino também chamado de escola graduada era um novo modelo, que pela sua superioridade de estrutura comparada com outras modalidades de ensino, tornou-se superior, inclusive no quesito de fiscalização. O poder público estadual implantou em 1914 o novo modelo de escola denominado Grupo Escolar.

Bencostta (2001) cita que muitos eram os debates entre intelectuais, políticos e educadores paulistas durante os anos seguintes da Proclamação da República, debates estes que enfatizavam qual tipo de escola primária abarcaria os objetivos de modernidade e nesse sentido, afastar-se daquele formato de ensino que era utilizado durante o Império, com escolas precárias em diversos sentidos como estrutura, mobiliário, livros didáticos além de falta de professores e pessoas capacidades para o ensino de crianças e distantes dos métodos modernos pedagógicos:

“Nesse sentido, para a recém-instalada república brasileira, a experiência inovadora das escolas primárias graduadas - ou grupos escolares, como vieram a ser denominadas - foi entendida como um investimento que contribuiria para a consolidação de uma intencionalidade que procurava, por sua vez, esquecer a experiência do Império e apresentar um novo tipo de educação que pretendia ser popular e universal” (BENCOSTTA, 2001, p. 108).

Esses grupos escolares situados nos principais centros urbanos do Estado caracterizavam pela divisão do ensino em quatro séries e com conteúdo progressivo. Nessas séries havia um professor gerencial e todos eles eram coordenados por um diretor de grupo. Ainda segundo o autor “Essa nova forma de organização escolar reflete a divisão social do trabalho e o professor passa a ser vigiado e avaliada sua produtividade, isto é, quantos alunos conseguia manter na escola e quantos fossem aprovados nos exames” (EMER, 1991, p. 205).

Para os Republicanos, os grupos escolares representavam um avanço no ensino, na medida em que traziam para um mesmo prédio classes isoladas sob a supervisão de um professor habilitado pela Escola Normal. No grupo escolar as classes eram divididas seguindo graus de adiantamento onde para cada sala de aula havia um professor (NASCIMENTO, 2008)

Para a autora, em 1916, os grupos escolares no paraná já haviam se expandido por todo o Estado, contabilizando pelo menos dez e aproximadamente cinco escolas isoladas. Em Ponta Grossa, o primeiro Grupo Escolar foi inaugurado em 1912, primeiramente chamado de Grupo Escolar “n° 2” e posteriormente de “Senador Correia”. Foi o primeiro Grupo Escolar preparado para atender aos alunos nos moldes republicanos, contando com espaços e ambientes apropriados e também com mobílias adequadas para que os professores pudessem trabalhar.

“Criada pela Lei n. 1201, de 28 de março de 1912, essa escola nasceu da fusão de duas outras escolas isoladas, localizadas no centro da cidade, sendo oficialmente reconhecida pelo Decreto 324, de 13 de abril de 1912, com a denominação de “Casa Escolar Senador Correia. O prédio possuía cinco salas de aula, a sala da direção e uma pequena sala para as demais atividades” (NASCIMENTO, 2008, p. 177).

O Paraná que instituiu os grupos escolares quase vinte anos após a implantação em são Paulo, contou com influência desse Estado e em suma, outros Estados também seguiram o mesmo exemplo. Mesmo assim, no caso do Paraná, embora os Grupos Escolares chegaram com a promessa de suprir a demanda educacional presente nos discursos Republicanos, somente uma parcela da população era atendida.

Nascimento (2008) cita que o atendimento dessa nova modalidade de ensino não era suficiente para acabar com o analfabetismo, muito menos com os alunos em idade escolar que necessitassem de uma instituição pública para as primeiras letras.

Sbardelotto (2007) cita que Foz do Iguaçu é o primeiro município a se constituir na mesorregião oeste do Paraná e ocorreu devido a intensa miscigenação de seus habitantes: índios, brasileiros, argentinos, paraguaios, colonos, militares ou funcionários do fisco e suas famílias. Durante o período que compreender a existência da Colônia Militar na região, ocorrida entre os anos de 1889 e 1912 não houve nenhuma escola ou casa escolar. O que houve segundo a autora, foram iniciativas particulares muitos restritas, muitas vezes ministradas por pessoas com o mínimo de conhecimento, mas que dispuseram a trabalhar como professores particulares. Esse tipo de ensino era na maioria das vezes, realizado em suas residências.

Os grupos escolares de 1914, inspiraram o Governador Caetano Munhoz da Rocha a criar em 1927 o primeiro grupo escolar de Foz do Iguaçu, homenageado pelo mesmo nome do Político. Suas atividades iniciais foram em um prédio construído com recursos do Estado. O Grupo Escolar foi instalado em 15 de novembro de 1927, iniciando suas aulas em 15 de janeiro de 1928.

Sbardelotto (2007) afirma que a criação do Grupo Escolar Caetano Munhoz da Rocha esteve diretamente ligada aos interesses da classe hegemônica política e economicamente de Foz do Iguaçu. Mesmo quando se tornou pública e gratuita, não significou que o Grupo Escolar atendia as classes mais pobres da mesma forma como atendia a elite que a criou. Nesse sentido, consideramos que a criação do Grupo Escolar em Foz do Iguaçu veio ao encontro da necessidade da elite local, preocupados com a formação de seus sucessores na sociedade, no comercio local e nos negócios políticos e econômicos. Era uma forma de garantir o poder sobre as minorias da cidade, mantendo sua hegemonia e superioridade.


A pesquisa de fontes dos grupos escolares no Oeste Paranaense

Em se tratando da pesquisa das instituições de ensino na Região Oeste do Paraná, os estados de conservação das fontes historiográficas são muito precários, principalmente as fontes que determinam a história das três primeiras décadas do século XX. Não houve um cuidado quanto a preservação de documentos, arquivos escolares e qualquer outra fonte que expressasse as memórias dessas instituições. Além disso, as pesquisas acerca da história da educação na região ocorreram recentemente, tendo os primeiros trabalhos e pesquisas publicadas somente a partir do início da década de 1990.

 Em 2003 dá-se início na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) o Grupo de Pesquisa História, Sociedade e Educação no Brasil, GT Oeste do Paraná (HISTEDOPR). A união de professores, pesquisadores, alunos de pós-graduação e iniciação científica buscam a partir de então o levantamento, a organização e a catalogação de fontes primárias e secundárias para a História da Educação na Região Oeste, resultando na produção de trabalhos entre artigos, monografias e dissertações.

O HISTEDOPR é um grupo de pesquisa em "História, Sociedade e Educação no Brasil", com sede na Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE -, na Região Oeste do Paraná. Está vinculado ao Grupo de Pesquisa em "História, Sociedade e Educação no Brasil" - HISTEDBR - (www.histedbr.fae.unicamp.br), que tem abrangência nacional e organiza-se por meio de Grupos de Trabalho (GTs) regionais. O HISTEDOPR tem como um de seus principais objetivos, promover o "Levantamento, a Organização e a Catalogação de Fontes Primárias e Secundárias para a História da Educação na Região Oeste do Paraná", contribuindo assim, com os demais grupos que integram o HISTEDBR, para ampliar o levantamento, a organização e a catalogação das fontes em âmbito nacional.

Em 2010 o “Guia de fontes sobre a história da educação na Região Oeste do Paraná” trouxe o primeiro levantamento sobre a produção acadêmica relativa a história da educação na região, pontuando as lacunas e possíveis novas investigações acerca da constituição do ensino.

Organizado pelo Professor Dr. João Carlos da Silva, o documento permite conhecer toda a produção intelectual referente as pesquisas em História da Educação e conhecimentos relacionados (História, educação ambiental, Ensino, cultura, música, Arte e esporte, planejamento, gestão e currículo, educação e trabalho, movimentos sociais, educação especial, saúde pública, planejamento urbano e economia) permitindo aos novos pesquisadores uma compreensão da complexidade educacional de nossa região. Também se tornou possível compreender o trabalho de levantamento de fontes e arquivos, possibilitando novos rumos da pesquisa histórica.

“No total foram localizadas 226 produções, sendo 94 livros, 4 teses, 19 dissertações e 109 monografias. Entre as produções, destacamos Desenvolvimento histórico do Oeste do Paraná e a construção da escola (1991), de Ivo Oss Emer, que trata da constituição da escola na Região Oeste do Paraná, no contexto histórico da formação das fronteiras do sul do país com as repúblicas da Argentina e do Paraguai, e os fatores históricos e a integração a economia nacional” (SILVA, 2010, p.08).

Considerações Finais

Há um abismo entre a pesquisa de fontes que guardam a memória e a história das instituições de ensino na região Oeste do Paraná e a atual situação dos documentos indispensáveis para tal estudo. Percebemos que não existe incentivo do governo nem tão pouco das próprias instituições no que se refere a preservação e conservação de fontes primárias, responsáveis por contar a história do ensino na região.

Diante disso, o trabalho dos pesquisadores da História da Educação torna-se cada vez mais desafiante, tendo que lidar com o descaso dos órgãos governamentais e a inexistência de fontes que contam a história da escola pública. Em muitos casos, arquivos particulares são os responsáveis por contribuir na pesquisa dessas instituições. A comunidade assim, torna-se parte fundamental nos estudos da educação regional. Fotografias, diários e documentos essenciais são mantidos a salvo do tempo em acervos de famílias.

A preservação das fontes das instituições escolares ganha notoriedade quando inseridas dentro de um contexto social e histórico, trazendo manifestações de grupos sociais específicos. Isso torna relevante a compreensão da história da educação de uma sociedade, visto que os grupos sociais e as fontes escolares estão intrinsicamente relacionando.

Localizar, catalogar e preservar as fontes que guardam a memória das instituições de ensino é um dos desafios encontrados pelos pesquisadores em história da educação. Na nossa região em particular, a situação das fontes das escolas públicas não é muito diferente da maioria do restante do país. O descaso e a onda das novas tecnologias de documentação, permitiram que grande parte dos documentos e arquivos escolares antigos acabassem em depósitos e banheiros das escolas, convivendo com roedores, traças e mofo.

É de suma importância que a sociedade compreenda, conheça e preserve sua memória educacional, reconhecendo a escola como um espaço de memória além de ser patrimônio histórico e cultural. Ela deve ser entendida como um compromisso diário de preservação desse patrimônio, onde pesquisadores e agentes escolares devem garantir a manutenção e cuidado com as fontes historiográficas da escola.

Não é somente as fontes que se deterioram dia após dia entre a umidade e desrespeito com a história regional, mas são as memórias das instituições de ensino que se perdem no esquecimento. Se não recuperarmos essa história educacional, tão importante na compreensão da sociedade, em poucos anos o que nos restará são apenas lembranças de tempos que não podem ser analisados.

Referências:

Sander Fernando de Paula é Graduado em História. Aluno do Mestrado em Educação/ Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Cascavel /Pr. Linha de pesquisa: História da educação.

João Carlos da Silva, Doutorado em Educação pela Faculdade de educação/UNICAMP. Pós-doutorado pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia/UESB. Atualmente é professor no Colégio de pedagogia e do Mestrado em Educação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, UNIOESTE, Campus de Cascavel. É membro do Grupo de pesquisa HISTEDOPR- História, sociedade e educação no Brasil - GT Oeste do Paraná, Cascavel. Atua na área de Educação, com ênfase em História da Educação, nos temas: questões teórico-metodológicas da história da educação, história da escola pública, instituições escolares, fontes e arquivos.



BENCOSTTA, Marcus Levy. Arquitetura e espaço escolar: reflexões acerca do processo de implantação dos primeiros grupos escolares de Curitiba (1903-1928). Educar em revista, v. 17, n. 18, p. 103-141, 2001.

EMER, Ivo Oss. Desenvolvimento histórico do Oeste do Paraná e a construção da escola. Rio de Janeiro: FGV/Instituto de Estudos Avançados em Educação/Departamento de Administração de Sistemas Educacionais, 1991.
LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2013.
MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck. A História, a memória e as instituições escolares: uma relação necessária. Cadernos de História da Educação, v. 11, n. 1, 2012.
NASCIMENTO, Maria Isabel Moura. A Primeira Escola de Professores dos Campos Gerais – PR. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2008.
OLIVEIRA, Maria Cecília Marins de. Organização escolar no início do século XX: o caso do Paraná. Educar em Revista, v. 17, n. 18, p. 143-155, 2001.
SBARDELOTTO, Denise Kloeckner. História da Criação do Colégio Estadual Bartolomeu Mitre, o Primeiro Grupo Escolar do Oeste do Paraná: Contexto Histórico (1889 a 1930). Monografia (Especialização em História da Educação Brasileira) UNIOESTE, Cascavel, 2007.
SAVIANI, Demerval. Breves considerações sobre fontes para a história da educação. In: LOMBARDI, José C.; NASCIMENTO, Maria Isabel Moura. Fontes, história e historiografia da educação. Campinas. Autores Associados, 2004.
SILVA, João Carlos da. A escola publica primária na região oeste do Paraná: levantamento de fontes e produção academica. EccoS Revista Científica, n. 26, 2011.
SILVA, João Carlos da.  . Guia de fontes sobre a história da educação na Região Oeste do Paraná. 1. ed. Cascavel: EDUNIOESTE, 2010. v. 1. 48p .
SOUZA, Rosa Fátima de. Fotografias escolares: a leitura de imagens na história da escola primária. Educar em revista, v. 17, n. 18, p. 75-101, 2010.
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STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Câmara. História, Memória e História da Educação. In: STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Câmara. Histórias e memórias da educação no Brasil-Vol. III: Século XX. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2011.


Um comentário:

  1. Olá Sander e João a memoria escolar é um importante constitutivo da cultura escolar, da identidade profissional, e penso salvo melhor juízo que poderia se constituir em um mecanismo de critica e aperfeiçoamento profissional. Vocês perceberam algo em suas pesquisas que sustente essa perspectiva? obrigado

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