Danilo Sorato Oliveira Moreira


A QUESTÃO DO AMAPÁ NO ENSINO DE HISTÓRIA: O TRABALHO COM IMAGENS E MAPAS


A presente comunicação pretende discutir a utilização da Questão do Amapá no Ensino de História através da iconografia. Esse trabalho busca fazer orientações para o professor de História, com base numa metodologia inovadora na análise de imagens e mapas em sala de aula, a fim de conseguir uma melhor aprendizagem histórica.

A Questão do Amapá no Ensino de História


Fig.1

O mapa acima foi produzido em fins do século dezenove por autoridades francesas que buscavam defender os interesses de seu país perante o Brasil no Tribunal de Berna. Apesar dessa informação, o problema de fronteiras entre os Rios Oiapoque e Araguari é explorado de forma discreta nas escolas do Estado do Amapá. No trabalho de Sorato (2018), viu-se que as narrativas históricas escolares, subdivididas em didáticas e paradidáticas, especialmente as primeiras, mantém um certo silêncio e esquecimento sobre o assunto. Em grande medida, isso decorre por vários motivos. O primeiro deles é a inexistência do tema nos livros didáticos escolares, mesmo nas séries/anos que trabalham o período, como o 9º ano do Ensino Fundamental e a 3ª série do Ensino Médio. O segundo motivo é o desconhecimento dos professores de história acerca da Questão do Amapá, em sua maioria reproduzem narrativas históricas consagradas. E o terceiro motivo é a falta de profundidade da História Local nos espaços escolares, muitas vezes relegadas pelo excesso de História Nacional.

A partir das constatações acima, entende-se nessa apresentação necessário repensar o trabalho sobre a Questão do Amapá em sala de aula, em primeiro lugar, para que ela seja trabalhada nos espaços escolares, e em segundo lugar com a finalidade de melhorar a aprendizagem histórica dos alunos. Portanto, com uma metodologia específica de análise de imagens e mapas, espera-se que os professores de História se sintam estimulados a utilizar em suas práticas.

A aprendizagem histórica é um elemento basilar no Ensino de História. Ele é um conceito articulado entre experiência, interpretação e orientação históricas. É quando o aluno chega a um nível de consciência histórica acerca da sua experiência humana temporal, onde emite significação para os fenômenos históricos do presente e passado, como aponta Rüsen (2011, p. 79). Em sala de aula, quando professores e alunos interagem, essa aprendizagem histórica é uma condição fundamental para que ambos os sujeitos dialoguem historicamente. Ela pode ser alcançada em muitas formas e sobre muitas metodologias, mas nessa apresentação, o entendimento das narrativas históricas entre interlocutor e receptor se dá pelo assunto da Questão do Amapá. E partindo da premissa que a consciência histórica é uma formação contínua, nessa comunicação são apresentadas orientações metodológicas para o trabalho em sala de aula com mapas e imagens.

A compreensão dessas orientações metodológicas, especificamente com mapas e imagens, pode-se utilizar como modelo a proposta de Silva (2016, p. 93) para a leitura de imagens no Ensino de História, com a adaptação para o caso específico dessa comunicação que diferente da autora não analisa quadros de arte, mas focaliza em mapas e imagens sobre a Questão do Amapá. A necessidade de compreensão dos documentos e da sua limitação, devem ser refletidas nos espaços escolares com as seguintes perguntas: quem foi o produtor da imagem/mapa, quando foi produzido e em quais conjunturas históricas foram feitas. Além disso, existem três categorias a serem levadas em consideração para uma aprendizagem histórica consciente, a visão objetiva, subjetiva e formal. Na primeira categoria, são percebidos os aspectos visuais da imagem/mapa tal como se percebe nela própria; Na segunda categoria, são analisados os aspectos simbólicos da imagem/mapa tal como a emoção/impressão que causa no aluno; e finalmente, na terceira categoria, são apontados os aspectos estéticos da imagem/mapa tal como sua composição estética e histórica. Assim, com esses elementos analíticos, a utilização de mapas e imagens sobre a Questão do Amapá aprofunda a possibilidade da aprendizagem histórica.  

Mapas e Imagens trabalhados na Questão do Amapá


Fig. 2

A imagem acima foi produzida no ano de 1898 na região da Questão do Amapá entre os rios Oiapoque e Araguari. Ela revela importante problematizações para os professores de história quando estiverem nos espaços escolares. Em primeiro lugar, o professor precisa ter domínio basilar da língua francesa para poder compreender as informações do documento. Com essa habilidade linguística, ele pode problematizar muitas questões com seus alunos, por exemplo, por que o título da imagem coloca “Territoire Contesté” (Território Contestado)? Mas afinal, o que é um território contestado? Ou ainda, por que os franceses não utilizavam a expressão “Question du Amapa” (Questão do Amapá)? Essas perguntas devem ser expostas para os alunos para que possam discutir as diversas narrações e visões históricas sobre o tema. Ao professor cabe, sobretudo, articular as visões brasileiras e francesas como disputas pela posse de um território. Logo, a França utilizava “Território Contestado”, como mostra a imagem da Companhia de Navegação e Colonização, enquanto que o Brasil usava “Questão do Amapá. Além dessas orientações, em segundo lugar, o professor tem que ensinar os alunos a explorarem informações na iconografia, como reconhecimento do ano, de símbolos ou vocábulos que remetam interpretações históricas. Por exemplo, no canto direito superior, existe a estátua simbólica da República francesa. Aqui, o reconhecimento desse símbolo republicano é importante para fazer conexões com o Brasil e sua forma de governo no período, recém imposto em 1889.


Fig. 3

Após a utilização da imagem 2, o professor de História tem a possibilidade do trabalho com mapas. A figura 3, mostra o território da Guiana durante o século XVII. A sua inserção nas salas de aulas são importantes para que sejam feitas muitas problematizações sobre o tema. O primeiro aspecto a salientar é que o docente necessita fazer com que os alunos encontrem no próprio mapa, o produtor dele, no caso, no canto inferior, Claes J. Vooght. Essa dinâmica é fundamental porque é uma condição da aprendizagem histórica. Nesse mesmo lugar, os alunos e o professor podem perceber quando foi feito o mapa. Com essas informações extraídas do próprio documento, chega-se ao segundo aspecto. A questão sobre quem era o cartógrafo e qual o seu interesse na produção do mapa “Guiana”? Mesmo com a dificuldade de conhecimento acerca desse autor, o professor deve explorar isso até mesmo para conscientizar historicamente os discentes de que cada mapa tem uma leitura de mundo. Assim, nesse mapa, não fabricado por franceses ou brasileiros, haviam outras motivações, especialmente levando em conta que fora produzido num momento em que as tensões e distensões na fronteira estavam diminuindo. O terceiro aspecto a destacar é o reconhecimento das pessoas localizadas no canto esquerdo superior, onde aparecem o indígena junto com animais. Uma importante reflexão sobre o assunto é perguntar se na região do conflito haviam apenas indígenas e animais? Essa questão é vital para desnaturalizar essa percepção, já que haviam negros, escravos, desertores, mestiços, dentre outros. Assim, outras pessoas, que não aquelas memórias consagradas, como Rio Branco e Cabralzinho, são reveladas em sala de aula.


Fig. 4

Depois da inserção de mapas no trabalho com a Questão do Amapá, pode-se partir para imagens de pinturas produzidas no século XIX sobre a região da fronteira entre o Amapá e a Guiana Francesa. Na imagem acima, existem muitos elementos a serem explorados pelo professor de História, a começar pela extração de informações visuais mais até do que escritas como nas outras figuras. Um primeiro problema a ser trabalhado com os alunos é dialogar com eles sobre aquilo que estão vendo na pintura. Certamente, elementos como a descrição da flora, dos indígenas e do rio vão ser destacados pelos alunos. Nesse momento, o professor de história tem que propor uma conexão com a fala dos alunos e a realidade experimentada do presente, em outras palavras, a imagem como algo familiar ao entorno amapaense e amazônico. Além desse debate de (re) conhecimento entre uma realidade passada e presente, um segundo problema é debater os personagens históricos presentes na pintura. Ao professor de História cabe destacar o papel de indígenas, escravos e moradores da fronteira enquanto pessoas que tinham um cotidiano importante de transportar as pessoas pelos rios e florestas. Essa valorização das gentes comuns não pode ser desmedida, e se espera que o docente consiga fazer um diálogo profícuo com os agentes históricos popularizados no conflito de fronteiras, como Rio Branco e Cabralzinho.  


Fig. 5

Na mesma direção de análise da figura 4, a imagem acima aponta para a região do Oiapoque com um olhar para além do conflito fronteiriço em si. Como no documento não há pistas históricas acerca do tempo em que foi produzida, o professor de história necessita dizer tal informação. No ano de 1901, o autor Jacques Brousseau, fez um livro chamado ‘As riquezas da Guiana Francesa e do antigo contestado franco-brasileiro: onze anos de exploração’. Após dizer aos alunos sobre o tempo e o título da obra, o docente necessita problematizar algumas questões. Em primeiro lugar, pensar com os discentes o papel dos viajantes e intelectuais na produção de conhecimento sobre a região. Assim, pode-se questionar, por que viajantes franceses produziram desenhos, pinturas e mapas durante o século XIX? Para além de uma resposta pronta, espera-se que sejam refletidos os papeis dos intelectuais junto aos governos, a fim de defender os interesses do país no tribunal internacional. Essa prática, também, foi feita pelo Brasil com o viajante Emílio Goeldi e outros, que se instalaram entre os rios Oiapoque e Araguari para conseguir desvendar os mistérios do local. Em seguida, em segundo lugar, pensar com os alunos quais são os elementos que aparecem em maior destaque na imagem? Tal como na figura 3, a possibilidade de respostas são na direção de falar sobre a natureza, a fauna, a flora, o rio, a pesca e os indígenas. O professor de História tem que aproveitar a fala sobre as comunidades originárias, para fazer uma conexão com o subtítulo da pintura,”Oyampis du Haut-Oyapock”. Nessa fala, devem ser mostradas quem são os Wajãpi, a partir da exploração da sua cultura e forma econômica de viver, como bem apresenta a iconografia com a pesca. A ideia naturalizada de que todo o indígena é igual tem que ser discutida, pois é fundamental que sejam demonstradas as diferenças de cada etnia. Por fim, o professor de História precisa mostrar o protagonismo indígena na região, inclusive na Questão do Amapá, pois eram cruciais em muitas formas de trabalho e vivência com as pessoas da região. Portanto, lembrar a importância do sujeito histórico indígena na Questão do Amapá em consonância com os personagens mais conhecidos, arquetipados em heróis, como Rio Branco e Cabralzinho.


Fig. 6

Para finalizar a seção, a figura 6, é uma pintura, também, extraída da obra de Jacques Brousseau comentada no parágrafo anterior. Dessa vez, com o título de “Une Batée du prospection”, detalha com mais especificidade outros aspectos sobre a Questão do Amapá, no caso, a extração de ouro. O nome em francês já sugere de antemão o assunto, pois é a técnica de extração de ouro com a peneira. Essa informação deve ser pesquisa pelo professor de História de forma anterior, para que possa diante da informação dialogar para com seus alunos. Um dos recursos naturais mais procurados na região, com uma corrida aprofundada no século XIX, o ouro se torna um dos elementos de maior cobiça pelas pessoas alocadas entre o rio Oiapoque e Araguari, especialmente em Cunani. Diante desse contexto, explicado para os alunos, o professor de História tem como destacar o papel de dois personagens que aparecem na iconografia: o garimpeiro e o militar. A primeira questão é o diálogo entre o presente e o passado na imagem do primeiro personagem: Qual a finalidade do garimpeiro e o que ele faz? Essa questão, debatida com seus alunos, deve ser trazida para a atualidade das Guianas. O Professor de História precisa enfatizar que parte da economia do Platô das Guianas, área que envolve Guiana Francesa, Suriname, Guiana Inglesa, Venezuela e Amapá, são feitas por ilícitos como a extração de ouro. Portanto, o que foi pintado no século XIX, de alguma forma, está presente na realidade do Oiapoque.  A segunda questão é apontar para o papel dos militares na região: Como eles faziam suas funções? É vital demonstrar que nem todos os militares atuavam como agentes da lei, quer dizer, alguns, inclusive, desertaram das suas obrigações militares. Na imagem, essa perspectiva pode ser imaginada se a interpretação for no sentido em que o militar está auxiliando o garimpeiro, novamente, algo corriqueiro nos locais de extração de ouro. Ademais, esses militares podem ser analisados como o responsável por manter a ordem e legalidade no Araguari e Oiapoque, o que os torna pessoas centrais para o estado brasileiro e francês durante o século XIX.   

Considerações Finais

Essa comunicação apresentou a Questão do Amapá a partir de uma metodologia que valoriza a aprendizagem histórica. Ela utiliza mapas e imagens com orientações para os professores de História trabalharem em suas salas de aula no Amapá e Brasil. Não sendo obrigatória, elas aparecem como uma forma de ver o assunto sobre outro prisma narrativo histórico que não o corriqueiro, ora esquecido/silenciado nos livros didáticos do Amapá, ora lembrado sobre as formas de memória e história em personagens históricos arquetipados como Rio Branco e Cabralzinho. As problematizações apresentadas se encaixam na ideia de entender uma imagem no seu sentido triplo, objetiva, subjetiva e formal. Quer dizer, a partir dessa estrutura, algumas vezes organizada, outras não racionalizada, o professor de História pode fazer um diálogo profícuo com os alunos com a finalidade que se tornem conscientes historicamente. O Oiapoque, local de fronteira, não é passado, mas presente, em que esses discentes encontram em seu cotidiano por meio de ruas, estabelecimentos, gentes, livros, feriados, bustos, etc. Também, por que não podem ver em uma sala de aula renovada sobre a Questão do Amapá?

Referências
Danilo Sorato Oliveira Moreira é professor de História no Centro de Ensino Madre Tereza (CEMT) e Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP).

SILVA, J. Enegrecendo as Belas Artes: ensinando história por meio das trajetórias de dois pintores negros do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX. Rio de Janeiro: UFRJ, 2016.

SORATO, D. Silêncios que falam, palavras que nada explicam: as narrativas históricas comparadas sobre a Questão do Amapá. Macapá: UNIFAP, 2018.

RÜSEN, J. Experiência, interpretação, orientação: as três dimensões da aprendizagem histórica. In SCHMIDT, M; BARCA, I; MARTINS, E (Orgs.). Jörn Rüsen e o ensino de história. Curitiba: Ed. UFPR, 2011.

5 comentários:

  1. Boa noite, caro Danilo.

    Parabéns pela comunicação, aprendi bastante com o seu texto. Na leitura pude compreender os objetivos em torno do uso de iconografias sobre a Questão do Amapá e percebi o uso predominante de imagens produzidas por franceses. Sobre isso, foi uma escolha sua mesmo ou há uma maior dificuldade de encontrar imagens produzidas pelo lado brasileiro? E além do Manioc.org, você conhece outros endereços eletrônicos onde seja possível acessar essas e outras imagens, tanto francesas quanto brasileiras?

    Abraços.
    Anderson Luis Azevedo da Rocha
    Andersonrch95@gmail.com

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    1. Boa noite prezado Anderson,

      Olha, pergunta muito pertinente. A escolha foi consciente mesmo, pois as imagens refletem o pensamento dos franceses sobre o evento, algo pouco abordado na historiografia e livros didáticos. Entretanto, existem imagens brasileiras acerca do tema, como por exemplo, o projeto Resgate do Barão do Rio Branco, que está alocado no site da Bilbioteca Nacional.
      Espero ter ajudado, e fique a vontade para fazer mais perguntas.

      Att.,
      Danilo Sorato Oliveira Moreira

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Olá Danilo, gostaria de saber como podemos trabalhar as questões regionais do Brasil em relação a nossos livros didáticos do PNLD baseados em uma crônica nacional pouco atenta as questões e histórias mais regionais?

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    1. Bom dia prezado Everton

      Pergunta muito pertinente. Existem várias estratégias para trabalhar os assuntos regionais em sala de aula. Uma delas, é utilizar livros paradidáticos especializados, mas também, trabalhos dos Mestrados profissionais em Ensino de História. No caso da Questão do Amapá, um dos frutos do Mestrado, foi o livro: A Questão do Amapá e o Ensino de História. Justamente para tentar superar esse excesso de História Nacional colocadas nos Livros Didáticos.

      Qualquer coisa a sua disposição,
      Danilo Sorato Oliveira Moreira.

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