A
QUESTÃO DO AMAPÁ NO ENSINO DE HISTÓRIA: O TRABALHO COM IMAGENS E MAPAS
A presente comunicação
pretende discutir a utilização da Questão do Amapá no Ensino de História
através da iconografia. Esse trabalho busca fazer orientações para o professor
de História, com base numa metodologia inovadora na análise de imagens e mapas
em sala de aula, a fim de conseguir uma melhor aprendizagem histórica.
A Questão do Amapá no Ensino de
História
Fig.1
O mapa acima foi
produzido em fins do século dezenove por autoridades francesas que buscavam
defender os interesses de seu país perante o Brasil no Tribunal de Berna.
Apesar dessa informação, o problema de fronteiras entre os Rios Oiapoque e
Araguari é explorado de forma discreta nas escolas do Estado do Amapá. No
trabalho de Sorato (2018), viu-se que as narrativas históricas escolares,
subdivididas em didáticas e paradidáticas, especialmente as primeiras, mantém
um certo silêncio e esquecimento sobre o assunto. Em grande medida, isso
decorre por vários motivos. O primeiro deles é a inexistência do tema nos
livros didáticos escolares, mesmo nas séries/anos que trabalham o período, como
o 9º ano do Ensino Fundamental e a 3ª série do Ensino Médio. O segundo motivo é
o desconhecimento dos professores de história acerca da Questão do Amapá, em
sua maioria reproduzem narrativas históricas consagradas. E o terceiro motivo é
a falta de profundidade da História Local nos espaços escolares, muitas vezes
relegadas pelo excesso de História Nacional.
A partir das
constatações acima, entende-se nessa apresentação necessário repensar o
trabalho sobre a Questão do Amapá em sala de aula, em primeiro lugar, para que
ela seja trabalhada nos espaços escolares, e em segundo lugar com a finalidade
de melhorar a aprendizagem histórica dos alunos. Portanto, com uma metodologia
específica de análise de imagens e mapas, espera-se que os professores de
História se sintam estimulados a utilizar em suas práticas.
A aprendizagem
histórica é um elemento basilar no Ensino de História. Ele é um conceito
articulado entre experiência, interpretação e orientação históricas. É quando o
aluno chega a um nível de consciência histórica acerca da sua experiência humana
temporal, onde emite significação para os fenômenos históricos do presente e
passado, como aponta Rüsen (2011, p. 79). Em sala de aula, quando professores e
alunos interagem, essa aprendizagem histórica é uma condição fundamental para
que ambos os sujeitos dialoguem historicamente. Ela pode ser alcançada em
muitas formas e sobre muitas metodologias, mas nessa apresentação, o
entendimento das narrativas históricas entre interlocutor e receptor se dá pelo
assunto da Questão do Amapá. E partindo da premissa que a consciência histórica
é uma formação contínua, nessa comunicação são apresentadas orientações
metodológicas para o trabalho em sala de aula com mapas e imagens.
A compreensão dessas
orientações metodológicas, especificamente com mapas e imagens, pode-se
utilizar como modelo a proposta de Silva (2016, p. 93) para a leitura de
imagens no Ensino de História, com a adaptação para o caso específico dessa
comunicação que diferente da autora não analisa quadros de arte, mas focaliza
em mapas e imagens sobre a Questão do Amapá. A necessidade de compreensão dos
documentos e da sua limitação, devem ser refletidas nos espaços escolares com
as seguintes perguntas: quem foi o produtor da imagem/mapa, quando foi
produzido e em quais conjunturas históricas foram feitas. Além disso, existem
três categorias a serem levadas em consideração para uma aprendizagem histórica
consciente, a visão objetiva, subjetiva e formal. Na primeira categoria, são
percebidos os aspectos visuais da imagem/mapa tal como se percebe nela própria;
Na segunda categoria, são analisados os aspectos simbólicos da imagem/mapa tal
como a emoção/impressão que causa no aluno; e finalmente, na terceira
categoria, são apontados os aspectos estéticos da imagem/mapa tal como sua
composição estética e histórica. Assim, com esses elementos analíticos, a
utilização de mapas e imagens sobre a Questão do Amapá aprofunda a
possibilidade da aprendizagem histórica.
Mapas e Imagens trabalhados na Questão
do Amapá
Fig.
2
A imagem acima foi
produzida no ano de 1898 na região da Questão do Amapá entre os rios Oiapoque e
Araguari. Ela revela importante problematizações para os professores de
história quando estiverem nos espaços escolares. Em primeiro lugar, o professor
precisa ter domínio basilar da língua francesa para poder compreender as
informações do documento. Com essa habilidade linguística, ele pode
problematizar muitas questões com seus alunos, por exemplo, por que o título da
imagem coloca “Territoire Contesté” (Território Contestado)? Mas afinal, o que
é um território contestado? Ou ainda, por que os franceses não utilizavam a
expressão “Question du Amapa” (Questão do Amapá)? Essas perguntas devem ser
expostas para os alunos para que possam discutir as diversas narrações e visões
históricas sobre o tema. Ao professor cabe, sobretudo, articular as visões
brasileiras e francesas como disputas pela posse de um território. Logo, a
França utilizava “Território Contestado”, como mostra a imagem da Companhia de
Navegação e Colonização, enquanto que o Brasil usava “Questão do Amapá. Além
dessas orientações, em segundo lugar, o professor tem que ensinar os alunos a
explorarem informações na iconografia, como reconhecimento do ano, de símbolos
ou vocábulos que remetam interpretações históricas. Por exemplo, no canto
direito superior, existe a estátua simbólica da República francesa. Aqui, o
reconhecimento desse símbolo republicano é importante para fazer conexões com o
Brasil e sua forma de governo no período, recém imposto em 1889.
Fig.
3
Após a utilização da
imagem 2, o professor de História tem a possibilidade do trabalho com mapas. A
figura 3, mostra o território da Guiana durante o século XVII. A sua inserção
nas salas de aulas são importantes para que sejam feitas muitas
problematizações sobre o tema. O primeiro aspecto a salientar é que o docente
necessita fazer com que os alunos encontrem no próprio mapa, o produtor dele,
no caso, no canto inferior, Claes J. Vooght. Essa dinâmica é fundamental porque
é uma condição da aprendizagem histórica. Nesse mesmo lugar, os alunos e o
professor podem perceber quando foi feito o mapa. Com essas informações
extraídas do próprio documento, chega-se ao segundo aspecto. A questão sobre
quem era o cartógrafo e qual o seu interesse na produção do mapa “Guiana”?
Mesmo com a dificuldade de conhecimento acerca desse autor, o professor deve
explorar isso até mesmo para conscientizar historicamente os discentes de que
cada mapa tem uma leitura de mundo. Assim, nesse mapa, não fabricado por
franceses ou brasileiros, haviam outras motivações, especialmente levando em
conta que fora produzido num momento em que as tensões e distensões na fronteira
estavam diminuindo. O terceiro aspecto a destacar é o reconhecimento das
pessoas localizadas no canto esquerdo superior, onde aparecem o indígena junto
com animais. Uma importante reflexão sobre o assunto é perguntar se na região
do conflito haviam apenas indígenas e animais? Essa questão é vital para
desnaturalizar essa percepção, já que haviam negros, escravos, desertores,
mestiços, dentre outros. Assim, outras pessoas, que não aquelas memórias
consagradas, como Rio Branco e Cabralzinho, são reveladas em sala de aula.
Fig.
4
Depois da inserção de
mapas no trabalho com a Questão do Amapá, pode-se partir para imagens de
pinturas produzidas no século XIX sobre a região da fronteira entre o Amapá e a
Guiana Francesa. Na imagem acima, existem muitos elementos a serem explorados
pelo professor de História, a começar pela extração de informações visuais mais
até do que escritas como nas outras figuras. Um primeiro problema a ser
trabalhado com os alunos é dialogar com eles sobre aquilo que estão vendo na
pintura. Certamente, elementos como a descrição da flora, dos indígenas e do
rio vão ser destacados pelos alunos. Nesse momento, o professor de história tem
que propor uma conexão com a fala dos alunos e a realidade experimentada do
presente, em outras palavras, a imagem como algo familiar ao entorno amapaense
e amazônico. Além desse debate de (re) conhecimento entre uma realidade passada
e presente, um segundo problema é debater os personagens históricos presentes
na pintura. Ao professor de História cabe destacar o papel de indígenas,
escravos e moradores da fronteira enquanto pessoas que tinham um cotidiano
importante de transportar as pessoas pelos rios e florestas. Essa valorização
das gentes comuns não pode ser desmedida, e se espera que o docente consiga
fazer um diálogo profícuo com os agentes históricos popularizados no conflito
de fronteiras, como Rio Branco e Cabralzinho.
Fig.
5
Na mesma direção de
análise da figura 4, a imagem acima aponta para a região do Oiapoque com um
olhar para além do conflito fronteiriço em si. Como no documento não há pistas
históricas acerca do tempo em que foi produzida, o professor de história necessita
dizer tal informação. No ano de 1901, o autor Jacques Brousseau, fez um livro
chamado ‘As riquezas da Guiana Francesa e do antigo contestado franco-brasileiro:
onze anos de exploração’. Após dizer aos alunos sobre o tempo e o título da
obra, o docente necessita problematizar algumas questões. Em primeiro lugar,
pensar com os discentes o papel dos viajantes e intelectuais na produção de
conhecimento sobre a região. Assim, pode-se questionar, por que viajantes
franceses produziram desenhos, pinturas e mapas durante o século XIX? Para além
de uma resposta pronta, espera-se que sejam refletidos os papeis dos
intelectuais junto aos governos, a fim de defender os interesses do país no
tribunal internacional. Essa prática, também, foi feita pelo Brasil com o viajante
Emílio Goeldi e outros, que se instalaram entre os rios Oiapoque e Araguari
para conseguir desvendar os mistérios do local. Em seguida, em segundo lugar,
pensar com os alunos quais são os elementos que aparecem em maior destaque na
imagem? Tal como na figura 3, a possibilidade de respostas são na direção de
falar sobre a natureza, a fauna, a flora, o rio, a pesca e os indígenas. O
professor de História tem que aproveitar a fala sobre as comunidades
originárias, para fazer uma conexão com o subtítulo da pintura,”Oyampis du
Haut-Oyapock”. Nessa fala, devem ser mostradas quem são os Wajãpi, a partir da
exploração da sua cultura e forma econômica de viver, como bem apresenta a
iconografia com a pesca. A ideia naturalizada de que todo o indígena é igual tem
que ser discutida, pois é fundamental que sejam demonstradas as diferenças de
cada etnia. Por fim, o professor de História precisa mostrar o protagonismo
indígena na região, inclusive na Questão do Amapá, pois eram cruciais em muitas
formas de trabalho e vivência com as pessoas da região. Portanto, lembrar a
importância do sujeito histórico indígena na Questão do Amapá em consonância
com os personagens mais conhecidos, arquetipados em heróis, como Rio Branco e
Cabralzinho.
Fig.
6
Para finalizar a
seção, a figura 6, é uma pintura, também, extraída da obra de Jacques Brousseau
comentada no parágrafo anterior. Dessa vez, com o título de “Une Batée du
prospection”, detalha com mais especificidade outros aspectos sobre a Questão
do Amapá, no caso, a extração de ouro. O nome em francês já sugere de antemão o
assunto, pois é a técnica de extração de ouro com a peneira. Essa informação
deve ser pesquisa pelo professor de História de forma anterior, para que possa
diante da informação dialogar para com seus alunos. Um dos recursos naturais
mais procurados na região, com uma corrida aprofundada no século XIX, o ouro se
torna um dos elementos de maior cobiça pelas pessoas alocadas entre o rio
Oiapoque e Araguari, especialmente em Cunani. Diante desse contexto, explicado
para os alunos, o professor de História tem como destacar o papel de dois
personagens que aparecem na iconografia: o garimpeiro e o militar. A primeira
questão é o diálogo entre o presente e o passado na imagem do primeiro
personagem: Qual a finalidade do garimpeiro e o que ele faz? Essa questão,
debatida com seus alunos, deve ser trazida para a atualidade das Guianas. O
Professor de História precisa enfatizar que parte da economia do Platô das
Guianas, área que envolve Guiana Francesa, Suriname, Guiana Inglesa, Venezuela
e Amapá, são feitas por ilícitos como a extração de ouro. Portanto, o que foi
pintado no século XIX, de alguma forma, está presente na realidade do Oiapoque.
A segunda questão é apontar para o papel
dos militares na região: Como eles faziam suas funções? É vital demonstrar que
nem todos os militares atuavam como agentes da lei, quer dizer, alguns,
inclusive, desertaram das suas obrigações militares. Na imagem, essa
perspectiva pode ser imaginada se a interpretação for no sentido em que o
militar está auxiliando o garimpeiro, novamente, algo corriqueiro nos locais de
extração de ouro. Ademais, esses militares podem ser analisados como o
responsável por manter a ordem e legalidade no Araguari e Oiapoque, o que os
torna pessoas centrais para o estado brasileiro e francês durante o século XIX.
Considerações
Finais
Essa comunicação
apresentou a Questão do Amapá a partir de uma metodologia que valoriza a
aprendizagem histórica. Ela utiliza mapas e imagens com orientações para os
professores de História trabalharem em suas salas de aula no Amapá e Brasil.
Não sendo obrigatória, elas aparecem como uma forma de ver o assunto sobre
outro prisma narrativo histórico que não o corriqueiro, ora esquecido/silenciado nos livros didáticos do Amapá, ora lembrado
sobre as formas de memória e história em personagens históricos arquetipados
como Rio Branco e Cabralzinho. As problematizações apresentadas se encaixam na
ideia de entender uma imagem no seu sentido triplo, objetiva, subjetiva e
formal. Quer dizer, a partir dessa estrutura, algumas vezes organizada, outras
não racionalizada, o professor de História pode fazer um diálogo profícuo com
os alunos com a finalidade que se tornem conscientes historicamente. O Oiapoque,
local de fronteira, não é passado, mas presente, em que esses discentes
encontram em seu cotidiano por meio de ruas, estabelecimentos, gentes, livros,
feriados, bustos, etc. Também, por que não podem ver em uma sala de aula
renovada sobre a Questão do Amapá?
Referências
Danilo Sorato Oliveira
Moreira é professor de História no Centro de Ensino Madre Tereza (CEMT) e Mestre
em Ensino de História pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP).
SILVA,
J. Enegrecendo as Belas Artes: ensinando história por meio das trajetórias de
dois pintores negros do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX. Rio de
Janeiro: UFRJ, 2016.
SORATO,
D. Silêncios que falam, palavras que nada explicam: as narrativas históricas
comparadas sobre a Questão do Amapá. Macapá: UNIFAP, 2018.
RÜSEN,
J. Experiência, interpretação, orientação: as três dimensões da aprendizagem
histórica. In SCHMIDT, M; BARCA, I; MARTINS, E (Orgs.). Jörn Rüsen e o ensino
de história. Curitiba: Ed. UFPR, 2011.
Boa noite, caro Danilo.
ResponderExcluirParabéns pela comunicação, aprendi bastante com o seu texto. Na leitura pude compreender os objetivos em torno do uso de iconografias sobre a Questão do Amapá e percebi o uso predominante de imagens produzidas por franceses. Sobre isso, foi uma escolha sua mesmo ou há uma maior dificuldade de encontrar imagens produzidas pelo lado brasileiro? E além do Manioc.org, você conhece outros endereços eletrônicos onde seja possível acessar essas e outras imagens, tanto francesas quanto brasileiras?
Abraços.
Anderson Luis Azevedo da Rocha
Andersonrch95@gmail.com
Boa noite prezado Anderson,
ExcluirOlha, pergunta muito pertinente. A escolha foi consciente mesmo, pois as imagens refletem o pensamento dos franceses sobre o evento, algo pouco abordado na historiografia e livros didáticos. Entretanto, existem imagens brasileiras acerca do tema, como por exemplo, o projeto Resgate do Barão do Rio Branco, que está alocado no site da Bilbioteca Nacional.
Espero ter ajudado, e fique a vontade para fazer mais perguntas.
Att.,
Danilo Sorato Oliveira Moreira
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOlá Danilo, gostaria de saber como podemos trabalhar as questões regionais do Brasil em relação a nossos livros didáticos do PNLD baseados em uma crônica nacional pouco atenta as questões e histórias mais regionais?
ResponderExcluirBom dia prezado Everton
ExcluirPergunta muito pertinente. Existem várias estratégias para trabalhar os assuntos regionais em sala de aula. Uma delas, é utilizar livros paradidáticos especializados, mas também, trabalhos dos Mestrados profissionais em Ensino de História. No caso da Questão do Amapá, um dos frutos do Mestrado, foi o livro: A Questão do Amapá e o Ensino de História. Justamente para tentar superar esse excesso de História Nacional colocadas nos Livros Didáticos.
Qualquer coisa a sua disposição,
Danilo Sorato Oliveira Moreira.