Nessa
reflexão partimos de dados que integram investigações em desenvolvimento no
Programa de Pós-Graduação em Educação, na Universidade Estadual de Londrina e
que buscam na interlocução com professores de História, na Escola Básica, no
Estado do Paraná, reconhecer apropriações da Educação Histórica e seus
significados nos processos de aprendizagem da disciplina.
Consideramos
a Educação Histórica no contexto das discussões do ensino de História e como
pensamento que vem se intensificando nas duas últimas décadas no Brasil. Conforme
Pina (2012) esse contexto é abrangente e diversificado. Aborda questões
relativas aos métodos, materiais, introdução de diferentes linguagens em sala
de aula, busca de inovações, entre outras. Temáticas recorrentes e
estreitamente relacionadas à formação de professores.
É
um processo que pode ser considerado de formas distintas e desde a introdução
da disciplina no currículo escolar brasileiro, no século XIX, que, conforme
aponta Nadai (1993), atentava para o ensino da história da civilização, ou mais
especificamente, para a história da Europa Ocidental, entendida como modelo
para o ensino e para a aprendizagem acompanhando, em grande parte, o trajeto
histórico da disciplina. Schmitd (2012) oferece uma sistematização para
auxiliar na compreensão desse caminho a partir de 4 fases assim definidas - construção do código disciplinar da História no
Brasil: 1838 – 1931; Consolidação do código disciplinar da
História no Brasil: 1931-1971; Crise do código disciplinar da História no
Brasil: 1971-1984; A reconstrução do código disciplinar da História: 1984/...
As
três primeiras fases que citam a construção, consolidação e crise do código
disciplinar representam a multiplicidade de ideias e ações que ora fortificaram
ora retiraram a autonomia da disciplina nos currículos brasileiros e na
formação de professores. Um reforço de tal afirmação é a observação da
deliberação da Lei nº 5.692 de 1971 que introduziu a disciplina de Estudos Sociais
nas escolas de 1º Grau concorrendo para que os conteúdos da área fossem abordados
em caráter mínimo e generalizantes, além da implantação das Licenciaturas curtas
que executou uma formação aligeirada e polivalente para a áreas das ciências
humanas. Importante ressaltar que a Lei nº 5.692 de 1971 “foi anunciada como grande renovação no ensino.
Entretanto, ela vinha consolidar uma série de medidas e estratégias educacionais
adotadas paulatinamente após o golpe militar de 1964” (FONSECA, 2006, p. 23).
Nessa conjuntura e diante
das condições sociais e políticas do país, o ensino de História e a formação de
seus professores seguiu padrões pré-estabelecidos e que pouco aprofundaram as
especificidades da disciplina, nem havendo maior interação entre produção
acadêmica e trabalho dos professores na Escola Básica, pois
“o professor
formador ensinava o futuro professor a trabalhar com as ferramentas mais
usuais: livro, quadro e giz. Isso significava que o professor formado nesse
modelo deveria apenas ater-se a determinadas técnicas que promovessem o repasse
mecânico do conhecimento produzido pelos doutos, aqueles investigadores que
detêm e produzem o conhecimento científico” (MESQUITA; ZAMBONI, 2008, p.133).
As maiores mudanças começaram a surgir por volta da
década de 1980. Fase que Schmitd (2012) qualifica como reconstrução do código
disciplinar e período de lutas tanto pela redemocratização do país como pela
retomada da autonomia e princípios da disciplina de História. De acordo com
Nadai (1993) surgiram diferentes propostas e discussões que tendiam para a
renovação do ensino ou até para o reforço do conservadorismo, porém essenciais
por representarem o movimento de discussão na área. Dentre os trabalhos
pioneiros desse período destacam-se as pesquisas e atuação de Dea Fenelon (2008)
criticando a formação a partir de “uma colcha de retalhos” e a manutenção de um
ensino de História arraigado às bases tradicionais, enciclopédico, sem
interação com a realidade, demasiado preso aos saberes considerados clássicos,
informativos e incontestáveis, patrimônio dos livros e universidades.
Pina (2013), ressalta que as considerações de
Fenelon apontavam para a necessidade de reestruturar o ensino de História e a
formação dos professores em novas bases, como “pensar o presente, unir ensino e
pesquisa, pensar história enquanto construção também a partir do cotidiano e
enquanto movimento a partir do princípio que todos a fazem em todos os espaços”
(PINA, 2013, p.2).
Pesquisadores
como Abud (2005), Cabrini (1987), Fonseca (1994, 2003, 2005, 2006), Fonseca
(2006), Schmtidt; Cainelli (2004), Zamboni (2005), entre outros, investigaram
tal processo de discussão e em diversos espaços como universidades, Secretarias
de Educação, sindicatos e associações de professores. Registraram análises
demonstrando interesse nas abordagens da aprendizagem como relação social
construída e partindo da valorização das experiências de vida dos sujeitos.
A
influência dessas discussões nas práticas pedagógicas foi observada tanto em propostas
institucionais e em documentos norteadores, como na realização de experiências
alternativas, com mudanças metodológicas e incorporação de “diferentes
linguagens e recursos de ensino, tais como música, literatura, filmes, TV,
história em quadrinhos e outros documentos” (FONSECA, 1994, p.86).
Nesse
ínterim o ensino de História consolidou-se como objeto de pesquisa ampliando-se
para abordagens que abarcam o método, concepção e teoria da História como campo
de conhecimento científico. É parte de um processo e sua importância está
reafirmada nas considerações de Abud ao destacar que
“Há
cerca de quatro décadas vimos assistindo à introdução de novas concepções da
história, que já alcançaram a organização de currículos e a atuação de
professores e que modificam o ensino e promovem inovações teóricas e métodos
renovados, substituindo as velhas práticas consagradas de ensinar história, que
valorizavam sobretudo, o fato político, o herói e a data. Concepções renovadas
da disciplina conduziram em busca de novos objetos, de novos temas e sujeitos
que passaram a compor os currículos escolares e mostraram caminhos trilhados
pela pesquisa sobre o ensino de história, ao buscar o significado para sua
existência” (ABUD, 2013, p.10).
Para
a autora as propostas se direcionam à formação de professores e às práticas
pedagógicas também pela legislação e organização de documentos norteadores como
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96 (LDB), Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), Diretrizes para a formação de professores,
Diretrizes Curriculares estaduais, entre outros. No entanto, nesse processo de
repensar o ensino de História e ampliando as possibilidades de análise, percebeu-se
a necessidade da “construção de uma teoria da aprendizagem histórica
referenciada em uma cognição situada na própria história” (SCHMITD, 2012, p.88).
Assim,
na busca de fundamentar as práticas pedagógicas, a compreensão e atuação no
cotidiano escolar, aliando ensino, pesquisa e aprendizagem da história, vem se
consolidando no Brasil, nas duas últimas décadas, a Educação Histórica. É um
aporte teórico-metodológico embasado no campo da Didática da História, com
fundamentações no pensamento de Jorn Rüsen e nascido da interação com o
desenvolvimento de pesquisas relacionadas ao ensino de História na Inglaterra,
Alemanha e Portugal, desde os fins do século XX.
A
Educação Histórica reúne investigações acerca do pensamento e ação dos sujeitos
a partir da compreensão da História, em espaços escolares ou além deles e está
se constituindo numa rede de pesquisa que envolve variadas instituições por
intermédio de seus laboratórios ou grupos de estudo.
O
Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica (LAPEDUH) ligado à Universidade
Federal do Paraná (UFPR) destaca-se dentre os pioneiros e grande líder nas
investigações e discussões dessa temática. No entanto, as práticas se
disseminam também por outras instituições como a Universidade Estadual do
Londrina UEL), Universidade Estadual do Centro-Oeste – PR (UNICENTRO), Faculdade
de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), Universidade Federal do Mato
Grosso (UFMT), Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA),
Universidade Federal de Goiás (UFGO), Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (UESB), entre outros polos dos Estados brasileiros do Paraná, Santa
Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, São Paulo, Bahia, Goiás, onde se
destacam investigações
a respeito da cognição em História e os sentidos que lhe são atribuídos.
São
inúmeras as contribuições para a valorização do conhecimento histórico observadas
nos trabalhos desenvolvidos no campo da Educação Histórica organizadas, em
quase 20 anos de publicações, em teses, dissertações, relatos de experiência,
comunicações em eventos como as Jornadas, Encontros, Simpósios, Congressos e
nelas destacamos importantes parâmetros para a formação de professores como o
entendimento que
“definitivamente,
os professores de história precisam saber que devem abandonar o pressuposto de
que aprender história significa acumular conhecimentos, mesmo que adotando
metodologias ativas e lúdicas e que aprender história não é manter-se no nível
do senso comum ou adquirir bom senso a respeito das questões do passado”
(SCHMITD; URBAN, 2018, p.18).
De
acordo com as autoras e apoiando-se nas concepções de Rüsen a Educação
Histórica apresenta-se como (re)significação do ensino de História promovendo
aprendizagens que atribuam sentido à compreensão dos eventos estudados, às
experiências temporais e favoreçam a tomada de ações que contribuam com o
compromisso cidadão do sujeito.
No
intuito de conhecer a extensão da Educação Histórica na formação de professores
observamos pela interlocução com profissionais, em exercício na Escola Básica,
no Estado do Paraná que as apropriações desse aporte teórico-metodológico, no
caso dos investigados, ocorreram mais intensamente no processo de formação
continuada que na formação inicial. Dialogando com professores em diferentes
fases do exercício da profissão, ou seja, aqueles que estão iniciando a
carreira, no meio dela ou próximos a aposentadoria e com formação inicial em
diferentes momentos, registramos que estes relatam o contato com concepções da
Educação Histórica mais comumente no período de exercício da função.
Os
professores citam percepções da Educação Histórica a partir da construção
coletiva ou estudos para aplicabilidade de documentos norteadores das práticas
pedagógicas como o texto das Diretrizes Curriculares de História (DCE), em
estudos descentralizados como o Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE),
Grupo de Trabalho em Rede (GTR) e cursos de formação específica para a
disciplina como o DEB Itinerante e o dia de Formação em Ação.
As Diretrizes Curriculares de História (DCE),
(PARANÁ, 2008), destacam a aprendizagem da História a partir da perspectiva da
formação da consciência histórica. Embasada na teoria de Jorn Rüsen e nas
considerações de Barca, ressaltam que a aprendizagem em História se dá quando
professores e alunos investigam as ideias históricas, além de considerar a
narrativa histórica como princípio organizador dessas ideias. Apresentam
elementos da Educação Histórica como novo aporte teórico metodológico para o
ensino de História, no entanto, não citam tal vocábulo em seu texto.
O
PDE é um programa da formação continuada lançado pela SEED-PR, em 2007, porém,
suspenso desde o ano de 2017. O GTR é uma das extensões do PDE e quando o
professor cursista compartilha com os colegas, em cursos na modalidade à
distância, sua temática de estudos e o projeto de intervenção pedagógica que
desenvolve.
No
período em o PDE foi realizado, professores eram liberados, em 100% de sua
carga horária no primeiro ano e em 75% no segundo ano, para cumprir um plano de
estudos em uma Instituição de Ensino Superior e desenvolver um projeto de
intervenção na realidade de sua escola. Nos documentos que o legitimaram foi
considerado
“uma
política pública que estabelece o diálogo entre os professores da Educação
Superior e os da Educação Básica, através de atividades teórico-práticas
orientadas, tendo como resultado a produção de conhecimento e mudanças
qualitativas na prática escolar da escola pública paranaense. (PARANÁ, 2009).
Este
programa promoveu múltiplas interações e pode ser tratado como experiência de
reconhecimento e valorização do saber docente fundamentando-se nas diferentes
necessidades da prática. Estabeleceu também parcerias entre a universidade e a
escola como seu lócus de formação
reforçando o processo ensino e aprendizagem como ponto de partida e chegada da
pesquisa. Nos arquivos de seus estudos encontramos experiências de ensino e
pesquisa fundamentadas na Educação Histórica.
Das
considerações dos professores reforçamos o interesse pela formação de
professores reconhecendo-a, como destaca Mizukami (2013), como um movimento
vagaroso, dependente das condições e experiências profissionais e das vivências
pessoais. Podendo ser compreendida como uma junção das iniciativas e interesses
do profissional com as exigências legais e responsabilidade das instituições e
mantenedoras do trabalho docente. Mas, de extrema importância para o
desenvolvimento do Sistema educacional e construção do conhecimento científico.
Atentamo-nos,
ainda mais, para a formação continuada, pois com seu sentido abrangente foi
sempre carregada de uma série de nomenclaturas como formação permanente, em
serviço, continuada, capacitação, entre outros. São chamamentos que demonstram
mais divergências de concepções que tratamentos semânticos e, por esse motivo,
devem ser organizadas para cumprir responsabilidades e compromissos com a ação
de ensinar e aprender e os seus sentidos. Outra questão para promover reflexão
é que, sob nenhuma hipótese, deve ser preterida como política pública.
É
a formação continuada em seus mais variados processos, que pode oferecer o
encontro com novas possibilidades de abordagens e (re)significação da atuação,
inclusive apresentando novas concepções teóricas do ensino da disciplina, além
de diferentes espaços de discussão como a Educação Histórica.
REFERÊNCIAS
Sueli de Fátima Dias – Doutoranda no Programa de
Pós-Graduação em Educação na Universidade Estadual de Londrina (UEL),
Professora de História – Secretaria de Estado da Educação – Estado do Paraná
(SEED-PR), orientanda pela Profª. Drª. Marlene Rosa Cainelli.
Flávio Batista dos
Santos - Doutorando
no Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Estadual de Londrina
(UEL), Professor de História – Secretaria de Estado da Educação – Estado do
Paraná (SEED-PR), orientando pela Profª. Drª. Marlene Rosa Cainelli.
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Visto que a formação de graduação atualmente é muito voltada para formar um profissional da historia relacionado a pesquisa. Como os profissionais que atuam com a licenciatura podem transpor o fazer históriogafico erudito para um linguagem adequada para alunos de educação fundamental ou de nível médio?
ResponderExcluirCassia Cristina Aleixo de Moraes
Olá Cássia. Agradecemos a sua pergunta. Ela nossa remete à importância do resgate de todas as funções do ensino superior, da função social das licenciaturas e da necessidade de valorização de eventos como este.
ExcluirÉ imprescindível que se intensifique as relações entre academia e Escola Básica tanto na formação inicial como na formação continuada. Também é imprescindível que se valorize todo tipo de saber. O saber docente, o saber da prática comumente é objeto de estudos na universidade, mas para completar o ciclo de diálogo, deve retornar sempre na perspectiva da reflexão e ressignificação da prática. Como dito por pensadores da educação como Candau, Mizukami, Savianni e outros a universidade não pode ser considerada o lócus do saber enquanto a Escola Básica fica relegada ao fazer. Ou como dizia Paulo Freire não possível que a universidade fique encastelada e apenas observando a realidade... é preciso interação, diálogo e parceria.
Na formação inicial há inúmeras possibilidades. Destacamos a necessidade de reforçar a identidade da licenciatura em todas as disciplinas que compõem o currículo dos cursos e a valorização de momentos de interação como nas práticas de ensino ou em projetos como PIBID.
Na formação continuada as parcerias com programas de formação em serviço e participação em laboratórios de ensino além de parcerias em programas de intervenção pedagógica.
São ações que demandam empenho das universidades e organização de políticas públicas e para o curso de História, reflexões acerca da estrutura de formação acadêmica. Manter a dicotomia de formação de pesquisador X formação de professor, como afirma Selva Fonseca, Abud, Cainelli, Schmitd é desconsiderar a realidade e sobretudo, a realidade do mundo do trabalho do acadêmico.
Esperamos ter contribuído com a reflexão.
Sueli e Flavio
Professor Flávio e Professora Sueli parabéns pelo texto e pela abordagem de uma temática que provoca a reflexão da realidade da formação continuada no Estado do Paraná. Vimos nos últimos anos, minguar as oportunidades de encontros e cursos na área de História e em qualquer outra área da escola básica. Diante disso pergunto como é possível tornar a Educação Histórica conhecida pelos professores que tiveram formação tradicional e estão atuando nas salas de aula?
ResponderExcluirObrigado
Paulo Roberto de Freitas
Olá Paulo. Muito pertinente a sua reflexão. Começamos lembrando que a abordagem da Educação Histórica não é e nem se propõe única ou unânime, nem na formação inicial, tampouco, na formação continuada. A Educação Histórica como destacam Schmitd e Urban (2018) pode ser tratada como uma das maneiras de pensar o ensino e aprendizagem da História em todos os âmbitos da sociedade, dentre eles, especialmente a aprendizagem escolar. Nesse sentido está sob a tutela da Didática da História e pode compor as discussões em todos os níveis de formação de professores. No Estado do Paraná é lembrada nas Diretrizes Curriculares de História (DCE) como um novo aporte teórico-metodológico. Este documento é um norteador das práticas pedagógicas e orienta ações dos professores da rede pública estadual de ensino. Conhecê-las é uma proposta de interação com a Educação Histórica. Outra possibilidade é a sistematização e respeito à formação continuada como política pública, de Estado e permanente. Apesar de inúmeras temáticas do cotidiano escolar e todas certamente necessárias podem ser promovidos estudos próprios da cognição em história em eventos, grupos de estudos disciplinares, troca de experiências, enfim, momentos de reflexão, troca e estudo. Uma lembrança importante é que a formação continuada é compromisso institucional, mas também é parceria com as aspirações pessoais e para tanto, é preciso que sejam garantidas as condições para participação em eventos como este ou mesmo em outros relacionados a integração com as IES e cursos de pós-graduação.
ExcluirEsperamos ter contribuído. Agradecidos
Sueli e Flávio
Olá Sueli e Flavio, parabéns pela oportuna discussão. Retomar a defesa de uma formação continuada eficaz se apresenta como algo urgente em relação a educação paranaense. Abcs
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