Thiago Augusto Divardim de Oliveira


O LAPEDUH E A EDUCAÇÃO HISTÓRICA: HISTÓRIA, FUNDAMENTOS E AS POSSIBILIDADES DE UMA DIDÁTICA DA HISTÓRIA ESPECÍFICA


O texto propõe sistematizar algumas reflexões fundamentais a respeito da Educação Histórica, tomando como referência o histórico e as produções do Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica da Universidade Federal do Paraná, sob coordenação da professora Maria Auxiliadora Schmidt. O objetivo é dar uma contribuição a reflexões que vem sendo realizadas de maneira coletiva nas reuniões do grupo ao mesmo tempo que tornamos públicas nossas reflexões para o debate na área da didática da História. As discussões inserem-se no contexto dos 15 anos de existência do laboratório, sendo assim um exercício de exame das características fundantes, assim como das concepções que orientam as ações investigativas, referenciais teóricos, filosóficos, linhas de investigação, funções, métodos e orientações. Esse exercício de reflexão visa sustentar a proposição da Educação Histórica como um domínio científico (SCHMIDT, 2018) e apresentar os elementos básicos de uma Didática da História resultante de nossos debates e pesquisas, essa proposta tem a formação histórica na perspectiva da práxis como princípio e fim dos seus trabalhos.


I. História
§ 1 – O Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica (LAPEDUH), coordenado pela professora Maria Auxiliadora Schmidt desde 2003, foi organizado a partir das discussões e pesquisas relacionadas à linha de pesquisa “Cultura, escola e ensino” do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná (PPGE – UFPR). A linha dedica seus estudos as relações entre a cultura e a escola, assim como os sujeitos do espaço escolar e suas relações sociais a partir do método histórico e de abordagens conceituais, e as investigações da linha partem de diferentes referenciais teóricos e abordagens metodológicas. Dentro dessa linha se constituiu o LAPEDUH e a disciplina “Educação Histórica” que articulam atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão.

§ 2 – O LAPEDUH é formado por pesquisadoras e pesquisadores dedicados as relações de ensinar e aprender História sem restringir-se apenas a essa relação, mas toma como pressuposto a reflexão, problematização e o desvelamento dos fundamentos e amplitudes da relação entre o conhecimento cientificamente organizado, a sociedade em que esse conhecimento é organizado e circula socialmente e a educação como espaço privilegiado para a investigação sobre a História e o seu ensino e aprendizagem. Junto a isso a necessidade constante de reflexão crítica e acompanhamento dos enfrentamentos que se colocam com a configuração do capitalismo mundial e as formas de manifestações locais dessas estruturas.

§ 3 – As características iniciais na organização do grupo, assim como da disciplina Educação Histórica estão relacionadas à experiência e indagações científicas da professora Maria Auxiliadora Schmidt em relação aos processos de ensinar e aprender História, assim como sua experiência de pós-doutoramento em Portugal entre os anos de 2001 e 2002. Essas experiências dialogaram com as discussões e pesquisas já existentes nas áreas da Didática da História e do Ensino de História do Brasil, e ao entrar em contato mais específico com a Educação Histórica em Portugal formou-se um contexto propício para a articulação dessas experiências e pesquisas. O debate de Schmidt com a pesquisadora Isabel Barca somou-se ao histórico das discussões brasileiras, possibilitando o início da constituição dos debates especificamente chamados Educação Histórica no Brasil, com uma história e características específicas. É sobre essa história e suas especificidades, assim como a reflexão sobre os fundamentos desses trabalhos que esse texto propõe refletir, com isso se reconhece a existência de outros grupos com produções semelhantes, e ao mesmo tempo estabeleço o recorte específico dessa reflexão.

§ 4 – Para a compreensão desse histórico é necessário referenciar questões da teoria e filosofia da História, assim como de outros campos do conhecimento científico sem a possibilidade de explicitar aqui com detalhes aprofundadamente o significado ou as características de tais campos e discussões. A Educação Histórica em Portugal, assim como na Inglaterra possuem características próprias em sua história, mas aqui as discussões estarão limitadas a compreensão do desenvolvimento da Educação Histórica no Brasil. Nesse sentido é possível afirmar que o grupo inglês (history education) e português (educação histórica) possuem influências importantes das discussões da filosofia da história anglo-americana da segunda metade do século XX, discutida por filósofos de inspiração lógica (analítica e/ou positivista – tais como William Herbert Dray; Karl Popper; Carl Gustav Hempel; Arthur Coleman Danto; William Henry Walsh), e em menor grau, filósofos de inspiração hermenêutica (Robin George Collingwood – e num segundo momento de suas produções, com diálogos frequentes com pesquisadores brasileiros as discussões passam a incorporar conceitos discutidos por Jörn Rüsen e os referenciais da consciência histórica). Essas observações se referem ao grupo de teóricos e filósofos da História citados pela professora Isabel Barca e pelo professor Peter Lee [Para saber mais sobre essas influências ver o capítulo 4 “Aprendizagem histórica: um olhar e diferentes perspectivas” da tese OLIVEIRA, T. A. D. A formação histórica (Bildung) como princípio da didática da história no ensino médio: teoria e práxis. Tese (Doutorado em Educação). Curitiba, 2017].

§ 5 – Além da influência de teorias e filosofias da História, os debates da Educação Histórica, nas vertentes inglesa e portuguesa, são influenciados por outros conhecimentos científicos da área da educação. Entre esses conhecimentos pode-se destacar, no caso de Portugal, a teoria da mudança conceitual (MONIZ, 1998), que possui como preocupação básica a de que, a existência a priori de representações, implica na discussão sobre formas de partida e de chegada entre concepções mais incipientes e outras mais elaboradas de representações científicas nas relações de ensino. A isso se referem as categorizações por progressão de ideias nas pesquisas portuguesas (progressão da explicação, por exemplo). Além da mudança conceitual figuram entre as influencias em Portugal e Inglaterra: psicologia educacional, psicologia do desenvolvimento e psicologia da aprendizagem de Jerome Bruner, Margaret Donaldson, Lev Vgotsky [Para saber mais a esse respeito ver a dissertação “EDUCAÇÃO HISTÓRICA E CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO: DIÁLOGOS EPISTEMOLÓGICOS” do  pesquisador Juliano Mainardes Waiga].

§ 6 – No LAPEDUH, as pesquisas produzidas no âmbito do grupo, estão influenciadas pelas discussões inglesas e portuguesas da Educação Histórica, assim como por conhecimentos das áreas da Filosofia da Educação, Pedagogia, Psicologia da Educação, Sociologia da Educação, Etnografia Educacional, Didaticistas e Psicologia Educacional (WAIGA, 2018). Além disso, é destacada a influência inicial e crescente com o passar dos anos das contribuições de Jörn Rüsen e o paradigma narrativo da práxis histórica (RÜSEN, 2001 p.170). Nesse sentido devem-se destacar os diálogos e interlocuções com o professor Estevão Chaves de Rezende Martins, presente em eventos, seminários e bancas de qualificação e defesa de trabalhos produzidos no grupo; assim como do próprio historiador e filósofo Jörn Rüsen que esteve presente em eventos organizados pelo laboratório. Além das publicações das próprias obras de Rüsen, as teses e dissertações, assim como artigos produzidos pelos integrantes do LAPEDUH, auxiliam na historicidade da compreensão, recepção e interpretação da obra de Rüsen ao longo dos 15 anos de existência do grupo.

§ 7 – Atualmente existem eventos específicos para a discussão da área, como o Seminário de Educação Histórica que ocorre anualmente na UFPR, assim como em eventos nacionais e internacionais da área de História, a Educação Histórica frequente está presente em grupos de trabalho. Além de eventos específicos e de caráter internacional como o caso da Jornadas Internacionais de Educação Histórica que ocorrem anualmente entre Portugal, Brasil e Espanha, e o History Educators International Research Network (HEIRNET), além da Associação Iberoamericana de Pesquisadores da Educação Histórica (AIPEDH). Além de revistas específicas e outras das áreas da Educação e da História que dedicam espaço as reflexões da área.

II. Fundamentos ontológicos, teóricos, metodológicos e a definição de um domínio científico
§ 8 – Depois de um conjunto de produções e do acúmulo gerado nesses anos é possível perceber uma articulação geral entre as compreensões amplas da realidade e análises mais específicas. Com esse acúmulo, é importante de tempos em tempos revisar os fundamentos que subsidiam essas compreensões. Em relação ao conceito de Consciência histórica discutido por Rüsen, levamos em consideração o pressuposto de Marx e Engels de que é necessário assegurar materialmente a existência para podermos nos preocupar com a consciência (MARX & ENGELS, 2007 p. 33 – 35). E que a satisfação das carências mais básicas leva produção de novas carências, processo dialético que se dá no tempo e socialmente, por isso o caráter histórico da consciência humana. A partir disso, tomamos como pressuposto principal, o fenômeno da consciência histórica, entendido como capacidade inerente ao ser humano de interpretar suas experiências no tempo mediante a relação entre presente – passado – presente – futuro, no intuito de, a partir de suas carências de orientação, poder interpretar e orientar ações no tempo (RÜSEN, 2001).

§ 9 – A consciência histórica não é um fenômeno que se dá por autoexistência, mas mantém uma relação intrínseca com um complexo mais amplo a que Rüsen chama de Cultura Histórica (RÜSEN, 2014). A cultura é tomada como meio complexo em que ocorre a relação entre ser construído e as possibilidades de construir, como parte constitutiva e constituinte das consciências e da totalidade. É na dimensão denominada cultura que os seres humanos precisam se relacionar com o mundo e consigo mesmos para que a vida possa ser vivida.

§ 10 – As preocupações da Educação Histórica, portanto, estão relacionadas a um processo formativo das consciências históricas sem deixar de levar em consideração o meio em que elas se desenvolvem. A formação histórica que nos referimos, não é a de um ato criador que inicia a consciência, como as vezes parece figurar no entendimento inercial de alguma crítica.  A formação histórica inclui o processo e o produto, ou seja, o processo formativo e a formação como novo patamar de possibilidade de compreensão e mesmo ação no tempo, por indivíduos e grupos. Essa díade dialética, por uma parte, corresponde a dimensão dinâmica do ensino e aprendizagem, reflexão, experiência, orientações e motivação do agir; a outra parte, corresponde aos elementos de consolidação dos novos patamares, referenciais, afirmações do sujeitos e grupos em relação as circunstâncias temporais. A dialética entre processo formativo – formação não tem início, assim como não se esgota na escola, mas a escola possui posição prevalente na contemporaneidade. Normalmente esse processo formativo é ilustrado como uma espiral representativa do que os alemães chamam Bildung (RÜSEN, 2012 p.94; RÜSEN, 2015 p. 254). Por pensá-la em relação à práxis da vida não consideramos esse processo formativo como uma expansão sempre continua, lisa e acetinada, mas por choques e contatos com diferentes narrativas e aspectos da cultura, em um processo conflituoso em que as expressões da consciência podem manifestar sentidos de orientação com perspectivas diferentes em ocasiões diferentes. As formas básicas de consciência discutidas por Rüsen, assim como os elementos que compõem o complexo da cultura histórica funcionam como elaboração teórica da realidade em um sentido heurístico e hermenêutico, assim como na dialética entre essas etapas do pensamento científico, para a compreensão do mundo, no caso das pesquisas do LAPEDUH, a manifestação preponderante desse mundo em um sentido empírico se dá nas relações que envolvem a escola, o ensino e a aprendizagem da História. As enunciações, protonarratativas e narrativas históricas são a materialização das formas de pensamento e atribuição de sentido as experiências no tempo.

§ 11 – Uma vez apresentadas as compreensões ontológicas da relação com a teoria e filosofia, os encaminhamentos epistemológicos e teóricos que articulam a relação entre os fenômenos do mundo empiricamente observável e a pesquisa, importa demonstrar como temos procurado articular metodologicamente essa relação. As contribuições da metodologia da pesquisa em colaboração discutida pela pesquisadora Ibiapina (2008) possibilitaram um comportamento metodológico que envolve investigadoras(es) e professoras(es), seja em processos de produção científica do conhecimento, quanto na interação entre o trabalho docente e a pesquisa. A pesquisa colaborativa articula a práxis e a teoria como elaboração da realidade permitindo que a produção do conhecimento tenha desdobramentos em estratégias que promovem o desenvolvimento da pesquisa e da práxis docente de uma maneira em que a colaboração permita a resolução, reflexão, pesquisa e compartilhamento de conhecimento a respeito das carências e necessidades que envolvem as relações de ensinar e aprender história (adaptado de IBIAPINA, 2008 p. 25).

§ 12 – Uma das máximas do pensamento gramsciano é a afirmação de que “Todos os homens são intelectuais”, em qualquer forma de trabalho, por mais simples e repetitiva, há sempre alguma atividade intelectual naquela forma de trabalho [Para assegurar a citação literal dos fragmentos, mantivemos o termo “homem”, no entanto, o significado deve ser compreendido como referente aos seres humanos.] Mas há diferenças em relação aos intelectuais nas sociedades (GRAMSCI, 1982, p. 3 – 5). O que importa na visão gramsciana é onde a atividade está inserida no âmbito das relações sociais. Pois todos os trabalhos contém esforço, atividade intelectual e importância no seio da sociedade. O trabalho de historiadores docentes na perspectiva da educação histórica é trabalho intelectual: a educação escolarizada é um produto do processo de produção e trabalho socialmente condicionado, portanto é uma prática social. Compreende um processo de transformação da matéria-prima que é o conhecimento para um fim particular em um lugar definido que ocorre com indivíduos socialmente organizados. Estas relações estão estruturadas a partir da escola, dos conhecimentos, dos professores, alunos(as) e administração escolar, e da relação que cada um possui no processo de produção. Esta ótica permite entender o processo de transformação que ocorre no processo de ensinar e aprender como trabalho. Mais importante que a matéria prima ou o produto é a prática em um sentido estrito, o trabalho que realiza o processo de transformação. Um trabalho intelectual.

§ 13 – Se os historiadores e historiadoras mobilizam os processos de produção do conhecimento histórico influenciados pela trama pública (RÜSEN, 2014 p. 107-108), na sala de aula os aspectos que envolvem interpretações da história ocorrem com uma vivacidade específica. Por exemplo, se um historiador diante da ascensão de um discurso autoritário na política, apreende heuristicamente enunciados que serão trabalhados em relação a um determinado período da história, e dessa maneira pretende interferir no debate público; nas salas de aula os(as) historiadores(as) docentes podem partir dos pressupostos da filosofia da história para realizar um trabalho de intervenção no processo formativo das consciências históricas de alunos e alunas na relação explicitada anteriormente entra a cultura e as consciências históricas. A didática da História, nesse sentido, corresponde a um trabalho de intervenção que mobiliza os elementos apreendidos pela heurística dos enunciados das consciências e da cultura (RÜSEN, 2012 p. 95 – 97), e efetiva um trabalho analítico e hermenêutico desses enunciados, mediante processos relacionados à ciência da história e as contribuições das ciências da educação, assim realiza-se uma intervenção que possui como princípio e fim a formação histórica dos discentes, isso nos referimos como didática da educação histórica na perspectiva da práxis.

§ 14 – As contribuições das ciências da educação e o diálogo entre pressupostos ontológicos da formação humana apresentam uma das características específicas da Educação Histórica no Brasil. Nos trabalhos desenvolvidos por Schmidt, é possível perceber os diálogos com as contribuições de Paulo Freire (SCHMIDT, 2005; 2006 e 2012) que envolvem a relação entre cultura e formas de consciência, assim como a possibilidade do processo formativo; ou ainda as discussões que envolvem referenciais do materialismo histórico, principalmente István Mészaros (1930 - 2017) e as referências à necessidade ou possibilidade de uma formação com características emancipatórias que possibilitem o desvelamento da realidade como ela se apresenta, e até mesmo ligadas a possibilidades formativas de uma contra-consciência para além do capital (SCHMIDT, 2007; 2014; 2015). Em discussões mais recentes, o processo formativo pode ser percebido nas narrativas dos jovens estudantes em elementos que discutimos como expansão qualitativa do pensamento histórico e também quantitativa dos passados discutidos (RÜSEN, 2012 p. 76). As áreas das ciências da educação que contribuem para os diálogos da Educação Histórica no Brasil são: Filosofia da Educação, Pedagogia, Psicologia da Educação, Sociologia da Educação, Etnografia Educacional, Didaticistas e Psicologia Educacional (WAIGA, 2018).

§ 15 – Os diálogos mais recentes no LAPEDUH (2018) sob a coordenação da professora Schmidt, têm encaminhado a definição da educação histórica como um domínio científico (LLOYD, 1995 p.54). De acordo com o autor “as metodologias evoluem sob o impacto de novas descobertas a respeito das complexidades da natureza, e o objeto de estudo evolui graças a refinamentos, reavaliações e reformulações da metodologia.” (LLOYD, 1995 p. 54). E ainda que “Para a afirmação da existência de um domínio, requer-se a reunião de um corpo de informações compartilhadas sobre a composição e a evolução de uma classe de entidades, de forma que os objetos tenham relações de relevância de caráter realista”. Propõe-se aqui a sistematização dessa referência a partir da Educação Histórica brasileira com base nos trabalhos do LAPEDUH e em consideração as interlocuções realizadas pelo grupo. Buscou-se revisar os fundamentos das pesquisas para oferecer alguns fundamentos provisórios a essa discussão.

§ 16 – Para a definição desse domínio é possível apontar as seguintes características: a) Há uma lógica narrativista sobre como a história, e o pensamento histórico surgem e demonstram sua importância para a práxis da vida (RÜSEN, 2001; 2014; 2015), essa lógica narrativa tem uma relação com o processo de investigação dos fatos (do passado), e a ação no presente / futuro. A lógica é o que envolve essa tríade. Em Rüsen a ação na vida (práxis) seja em âmbito científico ou o agir existencial mais amplo possuem essas formas elementares da narrativa como atribuição de sentido para a orientação existencial, (baseado em Droysen o autor apresenta a possibilidade de um imperativo categórico do pensamento histórico (RÜSEN, 2015 p. 144-145); b) temos a articulação entre um estado de coisas do conhecimento e o nível sócio-antropológico, elaborações teóricas da realidade que nos permitem dialogar com uma ideia de totalidade (a cultura histórica e seus desdobramentos), assim como as consciências históricas e suas várias formas de análise, o que caracteriza a relação entre o mundo observável e a elaboração científica da realidade; c) as pesquisas e a história do LAPEDUH observadas a partir dos acúmulos palpáveis desse histórico possibilitam a percepção material e na práxis da relação entre a racionalidade que abstrai esse corpus do todo ao qual é constitutiva e constituinte e os resultados que orientam novas produções e ações relacionadas a escola, a universidade, aos documentos e o diálogo entre pesquisas e pesquisadores; d) é possível perceber a articulação desses elementos com os encaminhamentos teóricos e metodológicos, a posição dos pesquisadores, os resultados de pesquisas e as possíveis orientações para o trabalho em sala de aula (não de maneira prescritiva, mas a partir da reflexão sobre a pesquisa e sobre as ações na vida); por conseguinte, e) há uma comunidade de pares que realizam interlocuções de pesquisas, resultados, apresentação em eventos, circulação social do conhecimento através de revistas, organização de eventos, cursos de extensão na perspectiva da colaboração, relatos de experiência, elementos efetivados nacional e internacionalmente. Pode-se, portanto perceber a Didática da História como um domínio científico da Ciência da História, e a Educação Histórica assim como as possibilidades de uma Didática da História pensada no âmbito dos debates da Educação Histórica e referenciada na perspectiva da práxis como domínios científicos ligados a Didática da História e a própria Ciência da História.

III. Possibilidades: a constituição de uma Didática da Educação Histórica na perspectiva da práxis
 § 17 – Em relação aos acúmulos realizados nesses 15 anos do LAPEDUH dialogou-se inicialmente com a proposta metodológica da aula-oficina (BARCA, 2004), tempos depois o diálogo de historiadores docentes na perspectiva da colaboração resultou na produção da Unidade Temática Investigativa (FERNANDES, 2008). Com a ampliação das pesquisas, debates e traduções da obra de Rüsen, passamos a perceber uma relação mais interessante em partir das protonarrativas (AZAMBUJA, 2013) dos estudantes do que de um conteúdo previamente estabelecido. Essas discussões têm sido ampliadas no sentido de levar em consideração um processo de apreensão heurística das enunciações das consciências e mesmo da cultura histórica de nosso tempo, seja nas enunciações de crianças pequenas (OLIVEIRA, A.G. P., 2013), ou de jovens estudantes do ensino médio (DIVARDIM, 2017). Esses acúmulos têm encaminhado as discussões do grupo para uma lógica mais narrativista da história, pautada na teoria e filosofia da História proposta por Rüsen, e nos diálogos com as ciências da educação, em um sentido de intervenção dos historiadores docentes no processo formativo das consciências na relação com a cultura histórica. Atualmente essas discussões têm sido compiladas pela professora Maria Auxiliadora Schmidt em relação a uma matriz da didática da educação histórica (Schmidt, 2017) que tem sido discutida no grupo. As questões centrais dessa discussão giram em torno da atribuição de sentido como princípio fundamental, assim como a relação entre cultura histórica (que compreende a cultura da escola, cultura escolar e os aspectos da cultura na escola); em uma relação que não separa a ciência especializada da práxis da vida, e que possui a formação histórica dos estudantes como princípio e fim da Didática da História na perspectiva da práxis.

IV. Possíveis considerações
Assume-se o caráter provisório das reflexões propostas, assim como as discussões organizadas nesse texto estão relacionadas aos debates coletivos realizados entre 2017 e o início de 2018 no âmbito do LAPEDUH. À medida que o debate e o acúmulo se ampliem, novas percepções dessa trajetória poderão surgir em enunciações de outros colegas. O esforço está mais relacionado à seguinte tentativa:

Na construção da ciência vale o pensamento de Heráclito, de que o caminho para cima e para baixo é o mesmo... Quanto mais crescer o edifício da ciência e quanto maior o arrojo, com o qual ele se projeta às alturas, tanto mais ele necessita do exame e da renovação constante dos seus fundamentos. A afluência de novos fatos deve ser correspondida pelo 'rebaixamento dos fundamentos', que caracteriza, segundo Hilbert, a essência de toda e qualquer ciência. Se isto é verdadeiro, fica claro o fato de que e a razão pela qual não podemos aliviar as ciências particulares do trabalho pela identificação e pelo fortalecimento dos princípios nem delegar esta tarefa a uma disciplina 'filosófica' especial, à 'teoria do conhecimento' ou à metodologia.[ Seguindo o exemplo de Rüsen (1987) no texto “Reflexões sobre os fundamentos e mudança de paradigma na ciência histórica alemã-ocidental” em que cita Cassirer, na epígrafe. A tentativa aqui foi sistematizar aspectos históricos, assim como de análise e planejamento de nossas produções].

É nesse sentido, e consciente do próprio inacabamento que proponho essas reflexões. Se possível espero ter contribuído com as discussões do grupo e também com os debates da Didática da História em sentido mais amplo.

REFERÊNCIAS
Professor do Instituto Federal do Paraná (Campus Curitiba) e pesquisador do Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica da Universidade Federal do Paraná (LAPEDUH - UFPR). Esse trabalho está relacionado ao projeto de pesquisa “APRENDIZAGEM HISTÓRICA E DIDÁTICA DA HISTÓRIA: TEORIA, FILOSOFIA E PRÁXIS – POSSÍVEIS ABORDAGENS REFERENTES A TEMAS SOCIAIS CONTROVERSOS” cadastrado no IFPR (Campus Curitiba.


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SCHMIDT, M.A.M.S. Trajetórias da investigação em didática da história no Brasil: a experiência da Universidade Federal do Paraná. In: Epistemología y Metodología de las Ciências Sociales. Espanha, 2012.

3 comentários:

  1. Doutor Thiago seria possível aproximar o conceito de humanismo diverso de Rüsen da ideia de Bildung, mais especificamente em termos educacionais?

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  2. Olá Dr. Everton Crema,
    Estudando a teoria de Rüsen (suas discussões filosóficas e teóricas da História) penso que toda sua obra forma um todo orgânico que permite o diálogo com vários autores e conceitos, principalmente quando pensados e discutidos dentro de uma mesma matriz epistemológica, nesse caso tomando o pressuposto das possibilidades da formação humana no sentido da (Bildung). A Educação (formal) não é o único espaço em que esse processo formativo ocorre, mas nas sociedades contemporâneas a educação formal ocupa um espaço prevalente. Nesse sentido, acredito que seja sim possível. Em termos práticos a ideia de "humanismo diverso" ou humanidade diversa que aparece no livro "Humanismo e didática da História" (RÜSEN, 2015 p. 81) poderia ser aproximada do princípio didático de ampliação qualitativa e quantitativa da experiência e portanto da consciência histórica. Em um processo intencional de colocar estudantes em contato com uma diversidade mais ampla de experiências humanas no tempo (diferentes passados, formas de vida, valores, costumes, formas de governo, relações de gênero e de classe entre outras possibilidades), ou seja, a quantidade de elementos relacionados ao passado acompanhado da qualidade que a ciência pode oferecer para o trabalho com esse passado pode resultar em um processo de aprendizagem que se compara a Bildung proposta pelo autor. A expansão qualitativa e quantitativa da experiência é uma discussão que aparece no livro "Aprendizagem histórica: fundamentos e paradigmas" (RÜSEN, 2012 cap. 3).
    Um complemento possível para essa discussão seria a proposta que temos discutido no LAPEDUH de uma valorização da práxis nesse processo de ensinar e aprender história com a preocupação de formar os seres humanos em uma perspectiva ontológica. A Bildung (formação) como princípio e fim da Didática da História.

    agradeço pela pergunta e fico à disposição.

    Thiago Augusto Divardim de Oliveira

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  3. Obrigado Dr.Thiago e parabéns pelo texto e obrigado por compartilhar sua pesquise e conehcimetnos. abraços

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