PRINCIPAIS CONJUNTURAS HISTÓRICAS DO
LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA NO BRASIL
O
livro didático tem fundamental importância na história escolar. Trata-se de um
dos principais materiais pedagógicos usados pelos professores de história, e
muitas vezes, é o único (FERREIRA, 2003). Porém, devemos frisar que a
compreensão do livro didático exige a abrangência de diferentes discussões. Por
um lado, houve e há diversas formas, interesses e condicionantes na produção
deste material didático (ROCHA, 2014; BITTENCOURT, 2008.). Por outro, o
entendimento do que é e para que serve o livro didático muda ao longo do tempo,
juntamente com sua nomenclatura (GATTI JR., 2000; e CHOPPIN 2004). Para dar
conta desta multiplicidade de questões, é fundamental estabelecer a compreensão
geral da história deste material no Brasil, apontando os principais processos
pelos quais o material tem passado. Assim, decidimos pela análise dessas
conjunturas, destacando as mudanças e as características dos livros didáticos
que devem ser consideradas na sua compreensão, seja atualmente ou em alguma das
conjunturas anteriores.
DESENVOLVIMENTO
A
primeira conjuntura histórica que podemos estabelecer para uma melhor
compreensão do livro didático ocorreu do século XVI até a Instalação da
Imprensa Régia, em 1808. “Poucos e caros eram os livros na América Portuguesa”
(STAMATTO, 2009, p. 133). No século XVI, os livros destinados ao ensino, além
de importados, eram em latim, com a exceção das cartilhas utilizadas para a
alfabetização. Havia a preponderância de escolas jesuíticas, que usavam, em
grande quantidade, obras clássicas ou materiais relativos à catequese,
intrínseca ao processo educativo da época. Em 1759, com a expulsão dos
jesuítas, o governo institui e passa a controlar o sistema de ensino (Idem, p.
133-134). Junto à expulsão, são proibidos os livros didáticos utilizados
anteriormente nos colégios jesuítas, mas as novas aquisições continuariam sendo
importadas, sem que houvesse produção na colônia, continuando os livros de uso restrito
a um pequeno grupo econômico. Estas ações, tomadas nas Reformas Pombalinas,
foram de grande impacto na educação. Até o decorrer do século XIX, o livro
didático se caracterizaria por ser destinado ao professor. Assim, a didatização
do conhecimento não era a prioridade nos manuais, sendo que o formato destes
livros didáticos, se comparado ao do livro didático atual, pode causar
estranheza. Eram praticamente nulas as ilustrações e exercícios, tampouco eram
“didatizados” para o uso de jovens.
Uma
segunda conjuntura percebida vai da Chegada da Família Real ao Brasil e a
instalação da Imprensa Régia, em 1808, à independência brasileira, em 1822. Nesse
período iniciam-se impressões brasileiras de obras didáticas, a partir de, pelo
menos, 1810. Porém, a Imprensa Régia detêm o monopólio das produções editoriais.
As produções didáticas eram secundárias e regidas por órgãos governamentais,
ainda que existissem (BITTENCOURT, 2008, P.17). Grande parte das obras eram
impressões de traduções de obras estrangeiras. De acordo com Bocchi (2005,
citado por MUNAKATA, 2013), nessa conjuntura foram criadas as primeiras
legislações sobre o livro didático. Até então, estas iniciativas eram creditadas
ao período do Estado Novo (1937-1945).
De
acordo com Bittencourt (2008), após perder o monopólio da produção de manuais
didáticos, seguiu-se o descaso oficial em relação à produção de livros. Temos,
assim, entre 1822 e 1860, um terceiro momento da história, em que, aos poucos,
editoras privadas passam a assumir o lugar do Estado na produção didática.
Desejava-se que os autores de manuais didáticos fossem pessoas ligadas ao rei.
Porém, poucos esforços de elaboração didática partiram desses grupos, o que resultou
na abertura para que outros autores prestigiados socialmente produzirem textos
de natureza didática, mesmo que mais distantes da “Graça do rei”. Antes do que
lucro, os discursos valorizavam a escrita do livro como um ato patriótico,
embora seja importante frisar que o prestígio social era fundamental nessa
sociedade. Assim, através do reconhecimento advindo deste suposto “ato
patriótico”, o autor também poderia obter diversos benefícios.
Para
a compreensão do contexto educacional do período é fundamental o destaque à
criação do Colégio Pedro II, em 1837. Trata-se da escola mais reconhecida e
prestigiada do Império, cujo currículo servia de base para diversas das outras instâncias
educacionais. Também consideramos fundamental entender as motivações para um
sistema de ensino que valorizava um ensino secundário e superior, ao passo que
não priorizava a expansão da educação para um grupo maior da populaçao, a fim
de que entendamos a educação brasileira a partir de seu próprio contexto:
“Vários
estudos de história da educação brasileira criticam a atuação das elites do
Império quanto à efetivação de uma política educacional para o ensino
elementar. Um dos pontos do fracasso educacional residiu, segundo alguns
historiadores, na “importação de idéias alheias à realidade do país e na
prioridade da organização do ensino superior e secundário, relegando-se para um
segundo plano, o ensino primário. A opção das classes dominantes assentadas no
poder em priorizar o ensino superior e secundário foi evidente, mas cabe-nos
perguntar: por que agiriam diferentemente?
(...)
Não foram como simples “copiadores” de idéias estrangeiras que D. João VI e D.
Pedro I deram prioridade ao ensino superior e militar, mas como respostas à
exigência da nova ordem imposta com a criação do Estado Moderno. E, com mais
razão, decidiram que a “educação do povo” poderia esperar. Nada os pressionava
nesse sentido, como no caso europeu. O catolicismo no Brasil predominava sem
grandes concorrências, sem lutas religiosas, não se vendo forçado a cuidar de
aumentar as leituras dos textos religiosos para seus fiéis, como na França, que
desde o século XVI teve de se haver com os protestantes. Também para o Estado
não havia necessidade de impor a escola para se obter uma unidade linguística,
em territórios sem dialetos, após a derrota sobre os índios, mortos,
escravizados ou espalhados pelas selvas. E os setores agrários, dominantes da
vida política, desconfiavam das “luzes” para as classes inferiores, que em nada
fortaleceriam seus empreendimentos e menos ainda concorreriam para a manutenção
de seus privilégios.” (BITTENCOURT, 2008, p.35-36.)
Entre
1860 e 1900, a estrutura da educação passou por importantes mudanças. A
produção de livros didáticos se efetiva com maior intensidade, e discussões
pedagógicas pautam a mudança na estrutura do ensino. Os livros didáticos passam
a ser materiais de acesso direto aos alunos. Nesse período os livros didáticos
adquirem espaço fundamental nas editoras, mesmo que não representasse grande
parte das vendas em grande parte delas. A partir da década de 1870, autores de
grupos sociais menos distintos passam a elaborar livros didáticos (BITTENCOURT,
2008). Era bastante comum que os professores compilassem os manuais didáticos
com base nas aulas preparadas. Passa-se a valorizar autores com experiência
docente, que estruturariam as informações do livro com o objetivo de didatizar
as obras para o uso do aluno.
No
Colégio Pedro II lecionava Joaquim Manuel de Macedo, principal escritor de
livros didáticos de história do Brasil nas últimas quatro décadas do século XIX.
Em suas Lições da História do Brasil
(MACEDO, 1861), que inspirou as estruturas curriculares das escolas brasileiras,
Macedo buscou reproduzir, o mais fielmente possível, a visão historiográfica de
Varnhagen, um dos principais autores do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. Tratava-se de uma obra apologética aos monarcas brasileiros em
todos os acontecimentos que retratava e que denegria qualquer oposição à
soberania do trono (MELO, 2008). Em relação à idéia de raça, muitas das obras
ainda se pautavam pela invisibilização de negros e indígenas. Diversas obras
desse período traziam o entendimento de que negros e indígenas não tinham
protagonismo relevante, invisibilizando-os das obras didáticas (MELO, 2008).
De
1900 a 1930, ocorreu propriamente a transformação da produção didática para a
estruturação de uma visão republicana das obras didáticas nacionais. O leitor
atento pode se indagar o porquê da seleção do ano 1900, se a República é
bastante anterior a esta data. Entretanto, somente em 1900 seria lançado um
livro didático “genuinamente Republicano”. Tratava-se do livro “História do Brasil-Curso Superior”, de
João Ribeiro, autor que pode ser entendido como a principal referência brasileira
em relação a livro didático de história nas quatro primeiras décadas do século
XX. A imigração e o estabelecimento da mão-de-obra livre demandavam novo
significado ao papel da educação, principalmente na educação dos anos iniciais.
Então a educação de primeiro grau para os grupos populares passou a ser vista
como importante pelos grupos de elite, tanto para a qualificação da mão-de-obra
como para a assimilação de ideias nacionalistas. Ao mesmo tempo, grupos
populares intensificaram a luta pelo acesso à educação, percebendo-a como um
direito de todos e todas, situação que se repete até os dias atuais. Oliveira (2015)
aponta para a inserção de ideologias de amor ao trabalho nos livros de
geografia desta época. Pode-se inferir que o mesmo ocorria nos livros de
história, mas ainda não encontramos referências a respeito.
No
governo Vargas de 1930 a 1945, verificamos, de um lado, os impactos da crise de
1929, que levaram à expansão da produção didática nacional em relação à
estrangeira e, de outro, um processo de centralização dos materiais didáticos. A
História do Brasil e a História da Civilização (ou História Geral) costumavam
ser lecionadas em anos ou matérias diferentes e, portanto, não necessariamente
correspondiam à mesma coleção.
Também
se dificultava, assim, qualquer esforço de estabelecer relações entre o contexto
brasileiro e o da história geral. Sem relações entre as mesmas, não havia
tamanha necessidade de que a história geral fosse escrita por autores
brasileiros, sendo ainda traduzidos e importados muitos livros didáticos
estrangeiros, especialmente sobre a “história geral”.
Para
o nacionalismo autoritário proposto por Vargas era fundamental um ensino que
convergisse com o viés ideológico do regime e o propagasse. Porém, podemos
afirmar que ocorreu censura de livros didáticos no período? Seria a Comissão Nacional
do Livro Didático criada em 1938 para esse fim? Trata-se de um tema
controverso: “ao contrário do que se imagina, não houve censura de caráter
político-ideológico, mas também não se apresentaram para a avaliação livros
passíveis de condenação” (MUNAKATA, 2012, p.188). Podemos pensar que a situação
política desestimulasse a submissão de obras de viés divergente do regime
getulista, mas trata-se de uma situação diferente da Ditadura Militar
brasileira, quando livros foram censurados explicitamente por suas ideologias. No
contexto do Estado Novo, a expansão da educação significou a ampliação da
demanda por livros didáticos, já que o livro didático, censurado ou não, era
visto como parte fundamental na aprendizagem, especialmente num ambiente que
visa a centralização da autoridade do Estado, devido à necessidade de
sistematização dos conteúdos.
Diversas
são as possibilidades de organizar o período entre os anos de 1945 e 1964.
Dentre os trabalhos que analisamos de história do livro didático poucas vezes
este período foi mencionado, preferindo-se apontar para as mudanças do Estado
Novo e da Ditadura Militar. Em outras sistematizações, os acontecimentos ou
processos específicos deste período parecem ser pouco mencionados, talvez por
entender que o impacto do Estado Novo e das políticas da Ditadura tenham sido
mais significativos.
Uma
das principais mudanças no livro didático neste período é apontada por Moreira
(2011, p. 47):
“No
contexto da Guerra Fria, pós-1945, o LDH toma outro rumo. Ao invés de privilegiar
conteúdos de História do Brasil que auxiliassem na formação de uma consciência
nacional e patriótica, enfocaram conteúdos com o objetivo de promover a paz
entre as nações e o respeito aos vários povos do mundo. A Unesco passa a
interferir na elaboração dos LDs.
(...)
o LDH destaca-se nesse contexto de pós-guerra por seu papel político
pacificador.”
As
décadas de 1950 e 1960 costumam ser definidas como o início do Processo de
Democratização da Educação, marcando uma intensa expansão na estrutura educacional.
Junto com a expansão da educação, intensificou-se a aquisição de materiais
didáticos. O cenário de ideias plurais, juntamente com o ambiente democrático,
permite e estimula a educação pública, gratuita e de qualidade. Ao mesmo tempo,
o nacionalismo teria de disputar, num processo lento, gradual e não-linear, com
diferentes projetos educacionais que afloravam. Dentre eles, estaria o projeto
História Nova, coordenado por Nelson Wernek Sodré, que visava “renovar o estudo
da História no nível médio, introduzindo um enfoque marxista nos LDHs”
(MOREIRA, 2011, p.47-48); novos métodos de ensino estavam sendo testados por
Paulo Freire; em relação às políticas
públicas, Darcy Ribeiro debatia com Carlos Lacerda defendendo a escola pública;
e o governo João Goulart adotou a padronização total do livro didático como
método para reduzir seu custo, entrando em conflito com grande parte das
editoras, descontentes com o barateamento e a reestruturação de suas obras.
Porém, com o Golpe Militar de 1964, diversas lideranças e suas pautas
educacionais vêem-se obrigadas ao silêncio, e importantes discussões são temporariamente
abortadas.
Com
a Ditadura Militar brasileira entre 1964 e 1985, inicia-se um novo conjunto de
questões envolvendo o livro didático e a educação em geral. De acordo com
Miranda (2004, p.125):
“Sob
o período militar, a questão de compra e distribuição de livros didáticos
recebeu tratamento específico do poder público em contextos diferenciados-
1966, 1971 e 1976-, todos marcados, porém, pela censura e ausência de
liberdades democráticas (...). Os governos militares estimularam, por meio de
incentivos fiscais, investimentos no setor editorial e no parque gráfico
nacional que exerceram papel importante no processo de massificação do uso do
livro didático no Brasil”
Vemos,
assim, que o livro didático, como produto material, teve um dos maiores
crescimentos em sua produção e distribuição. Porém, nesse período de censura,
em que se caracterizava esse material didático?
“Vários trabalhos acadêmicos debruçaram-se
sobre a produção didática nacional nesse período e evidenciaram os compromissos
ideológicos subjacentes, seu caráter manipulador, falsificador e
desmobilizador, que mal disfarçava o intento de formar uma geração acrítica”
(MIRANDA, 2004, p.125)
Os
livros didáticos da época foram marcados por abordagens na perspectiva de
civismo, bem como pelo “estímulo a uma determinada forma de conduta do
indivíduo na esfera coletiva” (MIRANDA, 2004, p. 125). Na primeira metade da
década de 1980, algumas discussões tangenciaram o livro didático, mas a mudança
definitiva da conjuntura só se daria com a redemocratização. A opressão, porém,
não impediu, durante a Ditadura, a continuidade da defesa da democratização do
ensino. O livro didático, nesse sentido, teve um papel importante, embora não
positivo em todos os aspectos. Ao mesmo tempo em que era fundamental permitir
maior acesso à educação, num contexto em que os esforços por formar mais
professores levariam anos para suprir a expansão do ensino, o material era criticado
por seu caráter “controlador”, à medida que reproduziu, em algum nível, a
ideologia do Estado ditatorial. Porém, é importante perceber que essa afirmação
varia conforme o livro em questão e os usos que dele seriam feitos. Neste
contexto surgem algumas das primeiras pesquisas científicas a respeito do livro
didático. Baseavam-se, principalmente, na análise da ideologia presente nos
mesmos, temática importante no contexto de resistência da época.
Outro
período pode ser compreendido a partir da
instituição do Programa Nacional do Livro Didático em 1985 até a atualidade.
Quando da reestruturação de um ambiente democrático, cria-se o PNLD- Programa
Nacional do Livro Didático, que tinha como objetivo a distribuição de livros
didáticos,
“Passando
a ser o Estado brasileiro o principal comprador desta mercadoria. No entanto,
essa distribuição era apenas para o antigo 1º grau. O ensino médio passou a
receber gradativamente por disciplinas, livros didáticos a partir de 2003”
(AGUIAR, 2006, p. 61).
Até
então, os livros didáticos eram aceitos sem avaliação pedagógica. Porém, em
1996, foi estabelecida uma avaliação prévia das obras que desejassem ser
publicadas no PNLD, já que alguns livros apresentavam sérios problemáticos, como
erros nos usos de conceitos, ao nível do absurdo; presença de preconceitos; e,
em grande parte dos casos, distanciamento com o que se esperava de um livro
didático reutilizável destinado aos anos escolares para os quais concorria, o
que não caracterizaria um “erro”, mas uma inadequação. Assim, elabora-se um
programa que aumenta, gradativamente, seus padrões para aprovação. A cada edição
é publicado um edital especificando as orientações para os livros, que passarão
por avaliação de especialistas da área e por professores de escolas públicas. É
elaborado um Guia com os livros aprovados, contendo diversas informações sobre
os livros para que o professor possa utilizá-las como parâmetros na escolha do
livro didático que desejam adotar num determinado triênio, embora o Guia do
Livro Didático seja pouco usado como ferramenta principal de escolha. O
principal na relação que caracterizamos, mesmo com uma série de problemáticas, baseadas
na distância entre as expectativas (ou conflito de interesses) dos grupos
envolvidos, é a manutenção do equilíbrio mínimo entre a pertinência acadêmica e
a autonomia dos educadores, que, podendo escolher o livro considerado mais adequado
à sua prática docente, mas partindo de um mínimo de pertinência acadêmica\pedagógica,
contribui para um ensino de qualidade. Ao mesmo tempo, é exigido que os
próprios autores e editores de livros didáticos se atualizem historiográfica e
pedagogicamente, o que é comprovado nas intensas melhorias que têm sido
verificadas nos livros didáticos.
CONCLUSÃO
O
livro didático é um material complexo, com muitas abordagens e usos possíveis.
Porém, acreditamos que, para a compreensão historiográfica deste material, é
necessária a compreensão geral das principais mudanças pelas quais este
material tem passado. Como vimos, a um primeiro momento, os livros didáticos
utilizados no Brasil eram caros e exclusivamente importados e, somente com
mudanças diversas nos cenários conjunturais se tornariam o que são hoje, um
material predominantemente produzido no país, expressivo tanto em nível de
demanda como de produção, e acessível a praticamente toda a população do nível
básico de educação. De um Estado que detinha o monopólio de livros na Imprensa
Régia, passa-se a um Estado como maior comprador de livros didáticos e a
editoras privadas, cujo lucro provem, principalmente, da produção de materiais
didáticos. De materiais didáticos sem qualquer padronização e exigência de
qualidade, passamos a dispor de livros didáticos que tem mudado de qualidade intensamente
a cada edição do PNLD.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
Rafael
Fiedoruk Quinzani é discente do curso de História - Licenciatura da
Universidade Federal de Santa Maria. Pesquisa áreas relacionadas ao Ensino de
História, com destaque ao Livro Didático de História; participa do PENSEH -
Grupo de Estudos de Ensino de História.
Orientação:
José Iran Ribeiro é professor do Departamento de Metodologia do Ensino. É licenciado
em História (UFSM), Mestre em História (PUCRS) e Doutor em História Social
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Olá Rafael e José Iram,
ResponderExcluirmuito bom o texto de vocês, e também muito oportuno, neste momento em que o ministro da Educação fala em rever os livros didáticos e certos conteúdos como a Ditadura Militar no Brasil. Nesta perspectiva gostaria que explorassem um pouco mais o PNLD e seus editais, pensando especificamente as alterações propostas nas últimas décadas e a ainda presente concepção de transposição didática como orientação pedagógica assumida pelos/as autores/as de LDH. Abraço, Eliane
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ExcluirOlá, Eliane Freitas, tudo bem? Fico feliz que tenha gostado do trabalho. Certamente, trata-se de um momento decisivo para o Livro Didático de História e para a educação como um todo. Sua pergunta é muito importante. Tentarei trazer algumas ponderações, mas certamente é uma área com reflexões muito profundas e diversas, que envolve várias problemáticas.
ExcluirComo mencionaste, foi bastante presente, e ainda é presente em certo nível, entre alguns profissionais da historiografia e do Ensino de História a idéia de que a escola seria, basicamente, uma espécie de simplificação ou didatização do conhecimento acadêmico. Porém, nas discussões atuais do ambiente de Ensino de História, há o entendimento do ambiente escolar como um espaço que produz um saber próprio, que, embora leve em consideração e esteja relacionado ao acadêmico, não é e não visa uma simples reprodução deste conhecimento. Trata-se de uma concepção que tem impacto muito profundo na produção e na pesquisa de materiais didáticos. Entendo que a concepção de Ensino como transposição didática impactou tanto a pesquisa. Por um lado, dialogo com Dermeval Saviani, no livro Pedagogia Histórico-Crítica e Libâneo e seu livro Democratização da Escola Pública, onde os autores mostram como o pensamento marxista clássico, onde a superestrutura- escola, religião, etc... não influenciariam significativamente a infraestrutura ou a base material da sociedade, que a definiria, e, assim, a escola e, por conseguinte, o livro didático, são subestimados. Nesse sentido, numa pré-concepção do que é um livro didático e dos seus impactos na sociedade, não se pesquisariam nem se verificariam tais impactos: nas formas que o livro didático acaba sendo estudado, pela análise de conteúdo, facilita-se a comprovação de que o livro didático “tem problemas” ou que “não corresponde, da melhor forma, ao conhecimento científico”. Estas visões e metodologias são reproduzidas ainda hoje por setores da mídia e grupos políticos que buscam deslegitimar o livro didático. Não importa qual o conteúdo que você tiver no livro: sempre haverá críticas possíveis, mesmo que ignorem o conhecimento científico sobre a temática.
No ambiente do PNLD, a seleção prévia funciona como uma espécie de “controle de qualidade”, exigindo que autores atendam a uma série de critérios. Estimula-se uma compreensão atualizada, por parte de autores e editores, das compreensões pedagógicas e historiográficas, pois diversos dos critérios de avaliação exigem coerência com abordagens pedagógicas e historiográficas adequadas, que dialoguem com a teoria e os objetivos da obra de forma satisfatória. Os PCNs e a LDB realizaram ponto fundamental ao trazer parâmetros que contribuíram para pensar os critérios usados nos editais. Atualmente, a BNCC também traz a exigência de objetivos de aprendizagens e conhecimentos aos quais os livros devem contemplar minimamente, sob o risco de serem desclassificados do edital.
Ainda destaco que o PNLD é bastante recente, e sua construção se deu, também, pela experiência do projeto. Verificou-se, por vezes, a implementação de ideias e o recuo em edições posteriores, como, por exemplo, a ideia de distinguir livros didáticos com uma, duas ou três “estrelas”, conforme a avaliação. Ao mesmo tempo, não é possível fazer uma seleção no PNLD que não considere a oferta de livros didáticos de qualidade e as demandas do professor. Assim, as mudanças tem de ocorrer aos poucos, para que o professor seja contemplado: por um lado, disponibilizar livros com um nível básico de coerência com o conhecimento pedagógico e historiográfico; por outro, preservar uma diversidade de livros, para que o professor seja contemplado em sua forma de trabalho e suas necessidades, que, nem sempre, correspondem a uma única forma de ensino. É nesse sentido que alguns critérios, como a exigencia de fundamentação bibliográfica, ajudam a formar a base desse processo de melhoria do material, e seu questionamento é preocupante.
Atenciosamente, Rafael Fiedoruk Quinzani
olá, Rafael e José Iram,
ResponderExcluirA conclusão é finalizada com as seguintes frases ;"passamos de De materiais didáticos sem qualquer padronização e exigência de qualidade, passamos a dispor de livros didáticos que tem mudado de qualidade intensamente a cada edição do PNLD.
com base nessa afirmativa de mudança de qualidade do livro didático. O livro de história hoje, nos apresenta conteúdos polifônicos ? Conta a história dando voz a todos os atores envolvidos?
a pergunta acima foi feita por Rogéria tavares da costa
ExcluirOlá, Rogéria Tavares, tudo bem? Primeiramente, nem na própria historiografia ou em qualquer situação, são contemplados “todos” os atores históricos. Mas sim, pode-se entender que o Livro Didático tem abandonado a predominância de uma história baseada somente na perspectiva de “grandes personagens” da política, do ponto-de-vista europeu, branco, masculino, e atenta, de forma mais intensa, para a importância de culturas diversas, como o protagonismo dos povos africanos, indígenas, grupos populares, abarca de uma forma mais qualificada as questões de gênero, etc. Em segundo lugar, é necessário não perder o contexto da frase: dispomos desses livros, mas há variações que dão mais protagonismo aos grupos diversos, enquanto outros se restringem um pouco mais aos personagens europeus e masculinos. Porém, essa variação na presença, ou não, do protagonismo de mulheres, povos negros, indigenas, e outros, tem um limite mínimo, pois é exigido, nos critérios de participação, a presença de uma visão que não trabalhe somente com europeus. Por exemplo, caso um livro apresentar apenas imagens com personagens brancos, ele será reprovado e não poderá participar do programa. Assim, os autores passaram a ter cuidado maior na elaboração do Livro Didático, e tiveram de buscar maior formação a fim de atender às demandas do edital, resultando que houve uma importante melhoria na produção deste material, embora, como historiadores, saibamos que qualquer processo é lento, gradual, heterogêneo e não-linear. Porém, trata-se de processo com influência de quais são os critérios usados. No início do ano, grupos do governo tentaram remover este critério da presença de grupos étnicos diversos nas imagens, bem como outros critérios, da avaliação prévia do livro didático. É necessário estarmos atentos a estas mudanças, pois a remoção desse critério pode reduzir os avanços no sentido de livros de qualidade que, embora tenham muitas possibilidades de abordagem teórica, pois devem atender a diversos professores, apresentam, em geral, relativa concordância com o ambiente pedagógico e historiográfico.
ExcluirAtenciosamente, Rafael Fiedoruk Quinzani
obrigada pelo esclarecimento, minha intenção quando fiz a pergunta era saber quias as melhorias foram feitas , como os livros estão organizados hoje. Seu trabalho é muito importante uma vez que o livro didático e a ferramenta de ensino mais utilizada para mediar o ensino -aprendizagem. Obrigada pela informação sobre grupos do governo quanto ás mudanças. temos que ficar alerta!
Excluirabraços
Boa noite! Um texto profícuo, profundo, uma importante contribuição à história da trajetória do livro didático no Brasil...Também são fundamentados uma dada característica a determinadas épocas ao longo da nossa história. Pergunta: A respeito dos Livros didáticos de História na Educação básica, apesar de uma equipe qualificada na análise de livros didáticos perpassa uma dada ideologia em determinados assuntos, por parte do grupo que domina o País?
ResponderExcluirJessé Gonçalves Cutrim
Olá, Jessé, tudo bem? Obrigado, espero que o trabalho traga contribuições nesse sentido. Irei separar esta questão em duas: seriam os autores e editores reprodutores da ideologia do grupo que domina o país, considerando que fazem seus materiais para um mercado (mercado editorial)? E, em segundo lugar, teria a avaliação dos livros a pressão por parte do Estado?
ExcluirPor mais que os autores e editores de livros didáticos estejam inseridos em uma lógica de mercado, é possível, nesse mercado editorial obter lucros tanto com uma obra totalmente eurocêntrica ou que não enfatize a participação popular, da mesma forma que o contrário também é possível: mesmo numa lógica de mercado, é totalmente possível vender livros que deslegitimem a sociedade estabelecida. Assim, o livro produzido e vendido recorre em três problemas fundamentais: quais as possibilidades legais para a produção e circulação deste material; qual é o produto que se deseja; e qual a formação e o embasamento teórico dos autores e editores. A primeira questão contribui para o modelo de livros que temos atualmente, reduzindo preconceitos e influenciando outros aspectos dessa produção. Em relação a segunda questão, relativa a demanda, o profissional deve levar em consideração, caso deseje participar do PNLD, a formatação exigida pelo programa e respeitar as exigências como não conter preconceitos, o que o distancia de um posicionamento elitista; além disso, é necessário, também, considerar exigências dos próprio professores e alunos, que, por sua vez, buscam um livro que possa contribuir ao desenvolvimento de cidadãos críticos; de uma consciência histórica; e/ou de conhecimentos básicos para processos seletivos. Como todas essas problemáticas, atualmente, afastam-se de perspectivas elitistas, também nos contribui para pensar que há exigências aos produtores e editores de livros, de produzir livros que ultrapassem uma perspectiva unicamente europeia e que não atribuam importância para grupos populares. Em relação a terceira problemática, o embasamento teórico desses autores e editores tem sido bastante atualizado, justamente pelas exigências, por parte da seleção ao PNLD e de um ensino preocupado com uma formação multicultural para seus alunos, de que os livros correspondam a esta perspectiva.
Até o presente ano, a pressão por parte do Estado não foi significativa no caráter das obras. Primeiramente, o Estado, atualmente, não interfere diretamente no processo de produção, e a seleção, como mencionaste, conta com profissionais bastante qualificados. Essa situação permanecerá assim? Após as mudanças dos últimos quatro meses, já não é possível afirmar com certeza.
Em resumo, percebo que não há presença significativa de perspectivas dominantes nos livros didáticos, devido ao controle de qualidade, a formação dos profissionais e a demanda do mercado. Mas, ao mesmo tempo, devemos atentar que não se trata de um processo resolvido: ainda há possibilidades de melhoria, e, ao mesmo tempo, retrocessos são possíveis. Acredito que a melhor forma de continuar esse processo de melhoria é garantindo a preservação da autonomia dos grupos editoriais, de seleção do PNLD, do ENEM, e de processos educativos em geral.
Atenciosamente, Rafael Fiedoruk Quinzani
Parabéns Rafa. Produção absolutamente pertinente ao momento político atual. Sucesso sempre. Abraços.
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